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Cinto de castidade: um mito inventado para ridicularizar a Idade Média

29 de novembro de 2019

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O cinto de castidade era uma armadura íntima, feita de ferro, colocada na mulher e fechada com cadeado tornando suas partes íntimas inacessíveis a outro que não o marido.  O cinto possuía somente duas aberturas para que a senhora pudesse aliviar suas necessidades – aberturas que, em alguns modelos, tinham bordas serrilhadas e afiadas para triturar quem se atrevesse a avançar. O engenhoso aparelho anti-sexo teria sido inventado na época das Cruzadas (séc. XI-XIII) para impedir que algum intruso viesse consolar a esposa solitária enquanto seu marido combatia longe de casa por meses ou anos.

Muitos museus na Europa, dos mais renomados aos pequenos e poucos conhecidos, chegaram a exibir cintos de castidade. O Museu Nacional da Idade Média (Museu de Cluny), na França, tinha uma peça que era atribuída a Catarina de Médicis, rainha da França no século XVI. O Museu Britânico também possuía alguns exemplares em exposição. Contudo, essas peças foram recolhidas depois que se constatou que não eram de origem medieval, mas haviam sido criados mais recentemente.

Em seu catálogo, o Museu Britânico esclarece a respeito de um cinto de castidade de sua coleção:

Há evidências da existência de cintos de castidade a partir do início do século XV. As evidências para seu uso no período renascentista, no entanto, são amplamente anedóticas ou em ficção burlesca. É provável que a grande maioria dos exemplos existentes tenha sido feita nos séculos XVIII e XIX, como curiosidade para quem gosta, ou como piada para quem não gosta”.

A menção mais antigas do cinto de castidade

Em sua obra The Medieval chastity belt. A myth-making process, Albrecht Classen explica que o cinto de castidade ou cinturão da virtude foi mencionado pela primeira vez em um tratado chamado Bellifortis sobre catapultas, armaduras e armas de fogo, escrito em 1405 por Konrad Kyeser, um engenheiro alemão especialista em tecnologia militar.

O posfácio do Bellifortis apresenta engenhocas variadas como uma que tornava a pessoa invisível e o desenho de um cinto de castidade, o primeiro conhecido. O desenho é acompanhada de uma inscrição em latim: “Este é o pesado calção de ferro de mulheres florentinas”. O cinto é apresentado como um costume específico das mulheres de Florença e, além disso, é descrito no contexto de um tratado militar.

Cinto de castidade

Cinto de castidade em “Bellifortis”, de 1405.

No século XV, as guerras nas repúblicas italianas envolviam bandos de mercenários comandados por capitães autorizados pela poderosa família que os contratavam – Pazzi, Médicis, Sforza, Visconti etc. – a realizarem todo tipo de bárbarie quando tomavam uma cidade, incluindo o estupro das senhoras e donzelas da família inimiga, até mesmo de freiras. Catarina de Médicis, por exemplo, teria um cinto de ferro que usava nos momentos de luta para se proteger de uma violência sexual. O cinto impediria que o saque não incluísse o corpo das mulheres.

Logo as notícias dessas armaduras íntimas tornaram-se um assunto picante para a literatura satírica, especialmente na França do século XVI como, por exemplo, Pantagruel (1532), de Rabelais, e As damas galantes (c. 1580) de Pierre de Brantôme. O tema chega às massas em gravuras impressas a partir de uma xilogravura e distribuídas nas ruas como um folheto satírico, tipo um meme das redes sociais de hoje. Não era preciso ser alfabetizado para entender a mensagem. Veja os exemplos descritos abaixo.

Gravura do séc. XVI.

Gravura do século XVI. Mulher entrega a chave do cinto de castidade ao marido.

Gravura do último quartel do século XVI (acima). Sentada na cama, a esposa nua usando apenas um cinto de castidade, entrega a chave ao marido. Este, vestido como um nobre da época, pega a chave. Em seu chapéu saem duas orelhas de asno ou jumento com guizos o que, na Idade Média e Renascença, simbolizam estupidez e ignorância do indivíduo traído. Atrás da cama, na sombra, há dois homens que erguem uma segunda chave e aguardam a saída do marido. Enquanto isso, uma criada (à direita), também com orelhas de asno, joga piolhos numa cesta. A mensagem é clara: tentar forçar a esposa a não trair é tão ineficaz quanto guardar insetos minúsculos em uma cesta de vime.

Xilogravura alemã do século XVI. Uma mulher nua entre dois homens.

Xilogravura alemã do século XVI (acima). Uma mulher nua, usando apenas um colar e o cinto de castidade está ladeada por dois homens. Ela olha para o da direita, mais jovem; ele tem uma chave na mão esquerda. O outro, mais velho, segura a mulher – é o marido – ele não percebe, porém, que ela está tirando dinheiro de sua bolsa. A mensagem é dupla: a ineficácia do cinto de castidade para evitar a traição, e o risco do homem velho e rico de acreditar que pode comprar o amor de uma mulher com metade da sua idade. Um arquétipo muito comum na atualidade.

Buscando a origem do cinto de castidade

Embora o cinto de castidade seja retratado com bastante detalhe no desenho de Konrad Kyeser, de 1405, e reproduzido em numerosas gravuras no século XVI, nunca foi encontrada uma prova real e concreta, que remontasse a esse período. Muito provavelmente, a imagem é uma fantasia.

As menções ao cinto de castidade são ainda mais numerosas nos séculos XVIII e XIX e sempre referenciados como um costume da Idade Média.

Contudo, os historiadores não encontraram nenhuma fonte medieval que mencionasse o uso de cintos de castidade – documentos oficiais, contos, relatos de viajantes nada informam a respeito. Sequer aparecem no Decameron, de Boccaccio, escrito entre 1348 e 1353, que descreve os prazeres desenfreados que as pessoas se entregavam ante à morte iminente provocada pela Peste Negra que, então, assolava a Europa.

Os poemas narrativos Lais de Maria de França, escritos entre 1160 e 1178, fazem menção a um “cinto” que o cavaleiro Guigemar coloca no quadril de sua amada:

“Ele a recebeu com a condição de que ela, por sua vez, lhe desse a garantia, por meio de um cinto com o qual lhe cingiu a pele nua, apertado à altura dos flancos. Ele pediu que amasse somente aquele que pudesse abrir a fivela sem despedaça-la ou rompê-la. Depois a beijou.”  (Lais de Maria de França, p. 51).

Em La Vita Nuova (1292-1293), de Dante Alighieri, a personagem Beatrice aparece pela primeira vez a Dante com o corpo cingido pelo emblemático “cinto” da castidade feminina, virtude tão aclamada pelos “fiéis seguidores do amor”.

Em ambas as obras, o cinto é uma metáfora. Em Lais de Maria de França simbolizam um juramento de lealdade incondicional entre os amantes, selado por um gesto concreto: o nó com o qual a camisa do cavaleiro e o cinto da dama estão atados. Em La Vita Nuova, o cinto simboliza a pureza da virgem. É o que mostra a iluminura do Decreto de Graciano (Decretum Gratiani), obra de direito canônico, redigida entre 1140 e 1142, em que uma noiva recebe um cinto como sinal de seu novo estado de casada, formalizando, assim, o matrimônio como um sacramento.

Cinto de castidade

A noiva recebe um cinto como sinal do matrimônio sacramentado. Iluminura do “Decretum Gratiani”, 1140-11142.

Salvo essa menção simbólica, nenhuma fonte das Cruzadas, nem mesmo do lado muçulmano e bizantino, faz referência ao uso de cinto de castidade pelas mulheres como uma imposição de seus maridos. Além disso, as mulheres medievais não foram tão submissas e trancafiadas em fortalezas como muitos imaginam. A historiadora Régine Pernoud demonstrou que as mulheres também se mobilizaram para seguir com seus maridos na defesa do Santo Sepulcro. Em alguns casos, famílias inteiras de alta linhagem partiram para as Cruzadas. Eleonora d’Aquitânia, rainha da França, esteve ao lado de seu marido Luís VII na segunda Cruzada. Há relatos de mulheres nobres lutando em campo de batalha, vestindo roupas masculinas e hábeis com a lança e o machado de guerra.

Finalmente, é preciso considerar os resultados do uso prolongado do cinto de castidade para a saúde da mulher. Uma peça de metal fixada nessa parte do corpo durante dias ou semanas, sem possibilidade de uma higiene correta, formaria lesões (escaras), seguidas por infecção e gangrena. Sendo uma peça de ferro está sujeita a enferrujar com a umidade do corpo e da urina o que agravaria os problemas de saúde. Uma mulher não sobreviveria depois de algum tempo usando um cinto de castidade. Morreria de choque séptico e/ou tétano.

Cinto de castidade

Diversos tipos de cinto de castidade fabricados entre o final do século XVIII e início do XIX.

Afinal, como surgiu o mito do cinto de castidade?

As histórias contadas pela literatura do século XVI acabaram sendo entendidas literalmente por escritores e historiadores dos séculos XVIII e XIX. Na Era das Luzes, o cinto de castidade tornou-se exemplo do atraso e da ignorância medieval.  Construiu-se uma ficção para ridicularizar a Idade Média, a “idade das trevas”, um período sombrio e misógino em que senhores despóticos e violentos submetiam suas esposas à tortura de usar um cinto de castidade enquanto eles estivessem fora.

A ficção popularizou-se e alimentou um mercado de “reproduções” para colecionadores. Cintos de castidade falsos, intencionalmente fabricados foram parar em museus e ainda hoje são exibidos em vários “museus de tortura” espalhados por toda Europa. O objeto torna-se, também, uma fantasia erótica, uma brincadeira entre amantes e, com isso, aumentam as encomendas aos ferreiros ou ourives.

Em 1889, o austríaco Anton Maximilian Pachinger (1864-1938) anunciou a descoberta de uma tumba feminina em Linz, datada entre os séculos XVI e XVII, cujo esqueleto teria o osso pélvico cercado por uma faixa de couro e ferro fechada por dois cadeados. Pode-se imaginar as fantasias despertadas na época com essa descoberta; infelizmente, o esqueleto, com seu suposto cinto de castidade, foi perdido.

Entre 1995 e 2000, a maioria dos museus europeus, com exceção da coleção do Palazzo Ducale, de Veneza, retirou os cintos de suas exposições ou mencionou, no catálogo, que a proveniência do objeto não era confiável.

Cinto nde castidade

Cinto de castidade da esposa do duque de Pádua, séc. XV-XVI, Museu do Palazzo Ducale, Veneza, Itália.

O cinto exposto no Palazzo Ducale é, possivelmente, uma peça do século XV ou XVI que pertencera à família Carrara, senhores de Pádua. A análise do material e da técnica de metalurgia corresponde às fundições florentinas da época e está de acordo com as descrições dos cintos anti-estupro feitas por Konrad von Eichstätt, médico do século XIV. O fechamento do cinto, contudo, não é totalmente seguro, mas dificulta uma abertura imediata. O cinto não poderia ser rompido pela violência de um estuprador em potencial, mas, passada a emergência, a senhora poderia retirá-lo sozinha com calma.

Fonte

Imagem de abertura

  • Medalhão com cena erótica mostrando homem abrindo o cinto de castidade de uma jovem nua. Peça adquirida em 1936  pelo Museu de Ciências, de Londres.
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