O Vale dos Reis, no sul do Egito, é uma necrópole real que abriga as tumbas da nobreza egípcia: faraós, rainhas, príncipes, grandes sacerdotes e altos funcionários da corte. A tumba KV36 pertence a um nobre egípcio chamado Maiherperi.
As inscrições na tumba e o Livro dos Mortos junto à múmia informam que Maiherperi cresceu na corte, levado para lá quando criança ou nascido de uma concubina do faraó. Foi educado como um príncipe e, adulto, tornou-se conselheiro ou guarda-costas do faraó Tutmés IV (18º dinastia, c.1401/1397 – c.1391/1388 a.C.). Seu apelido era “Leão no campo de batalha”, talvez uma alusão às suas qualidades guerreiras.
Os documentos descrevem Maiherperi com pele escura o que foi confirmado no exame de sua múmia realizado em 1901 por Georges Daressy. Ele era um negro, proveniente da Núbia ou descendente de núbios, região no sul do Egito. O cabelo negro e crespo que a múmia possuía revelou-se ser uma peruca colada ao seu couro cabeludo.
A múmia de Maiherperi confirma que, na corte faraônica, havia núbios em posição social de destaque. Mas, da Núbia vieram, também, centenas de escravos para trabalharem nos palácios e templos do Egito Antigo.
Núbia ou Kush e suas riquezas
Chama-se Núbia à região desértica atravessada pelo rio Nilo, ao norte do atual Sudão, a centenas de quilômetros ao sul do Vale dos Reis, no Egito. Na Núbia vivia uma população negra, de língua e origem étnica diferente dos egípcios.
Os egípcios chamavam a Núbia de Kush, nome usado durante toda Antiguidade até o século IV d.C. A partir daí, com a ocupação do território por nômades chamados noba, a região passou a ser chamada de Núbia, terra dos noba, nome que chegou aos nossos dias.
Em torno de 3300 a.C., a Núbia formou o primeiro nomo do Alto Egito e, segundo os especialistas contribuiu para a unificação do vale do Nilo. Em 2300 a.C. o nome Kush surge, pela primeira vez, em missões comerciais dos egípcios.
A região servia como um corredor de comércio entre o Egito e a África tropical desde pelo menos 3100 a.C. Através da Núbia chegavam ao Egito marfim, madeira de ébano, ouro, cobre, animais exóticos, peles de leopardo, ovos e plumas de avestruz provenientes da África tropical.
As relações entre os dois povos eram pacíficas indicando intercâmbio cultural e cooperação, incluindo casamentos mistos.
Núbia incorporado ao Egito
Durante o Médio Império (c.2040-1640 a.C.), o Egito começou a se expandir em direção à Núbia visando controlar as rotas comerciais e o acesso direto às suas riquezas. Guarnições militares foram erguidas ao longo do rio Nilo, ao sul da Segunda Catarata.
Por essa época, florescia na Núbia o reino de Kerma (c.1700-1500 a.C.) que se tornou um império populoso rivalizando com o Egito. Por volta de 1550 a.C., ele foi absorvido pelo Império Egípcio. Mas a conquista não significou a submissão do reino núbio, ao contrário, ele foi tratado como vice-reino e administrado pela própria elite núbia. Jovens núbios foram levados para Tebas onde receberam educação egípcia, como atesta a múmia de Maiherperi, comentada acima.
O reino núbio de Kerma manteve-se sob influência direta do Egito por cerca de quinhentos anos, absorvendo sua cultura, suas práticas religiosas e funerárias e adotando a língua e a escrita egípcias. A produção de ouro da Núbia cresceu significativamente nessa época sendo inteiramente revertida para o Egito.
A cidade Napata tornou-se um importante centro religioso onde eram cultuadas as divindades Ísis, Osíris e Amon.
Guerreiros núbios serviram no exército do faraó, reconhecidos como exímios arqueiros. Lutaram na campanha contra os hicsos contribuindo para tornar o Estado egípcio uma potência militar. Pela 18ª dinastia do Novo Império, os núbios constituíam uma tropa de elite do exército faraônico.
Com a desintegração do Novo Império por volta de 1070 a.C., os núbios se libertaram do domínio egípcio. Formou-se o reino de Kush, independente, e centrado em Napata.
O reino de Kush e os Faraós Negros
No século VIII a.C., o rei kushita Piye, atendendo ao pedido de sacerdotes egípcios que temiam cair sob domínio assírio, mobilizou suas tropas e seguiu para o Egito onde combateu os exércitos inimigos.
Piye restabeleceu a ordem no Egito e foi aclamado “Senhor das Duas Terras”. Começava a 25ª Dinastia Egípcia (750-660 a.C.) conhecida como o reinado dos Faraós Negros.
O estado unificado do Egito e Kush era uma grande potência que perdurou por cerca de cem anos. Os faraós negros devolveram a grandiosidade aos antigos templos ao longo do rio Nilo. Napata, a capital kushita, ganhou templos magníficos como o dedicado à deusa Mut originalmente recoberto com folhas de ouro.
Os assírios, porém, não deram trégua aos faraós negros e novos combates ocorreram com vitórias e derrotas alternando para cada lado. Os assírios usavam armas de ferro, muito superiores às lanças e espadas de bronze dos soldados egípcios e kushitas.
Além disso, os assírios tinham uma nova técnica de guerra: em vez de usarem os cavalos para puxar os carros de combate, eles cavalgavam os animais o que dava enorme mobilidade a seus arqueiros.
O equilíbrio sobre o cavalo devia ser difícil, pois não se conhecia a sela, o estribo e a ferradura que ainda levariam um milênio para serem usados. Mesmo superiores militarmente, os assírios sofreram derrotas humilhantes frente aos exércitos dos faraós núbios.
Por isso, quando Esarhaddon (681-669 a.C.), rei assírio, tomou a cidade de Mênfis, comemorou a vitória registrando o fato em uma grande estela de pedra. Nela gravou a sentença:
“Sua rainha, seu harém, seu herdeiro e o resto de seus filhos e filhas, seus bens, seus cavalos, seu gado e suas ovelhas em números incontáveis eu levei para a Assíria. Arranquei do Egito a raiz de Kush.” (Estela de Esarhaddon, c.670-660 a.C.)
O faraó Taharqa refugiou-se em Napata e nunca mais retornou ao Egito. Era o ano 660 a.C. e terminava a Dinastia dos Faraós Negros. A partir daí, as histórias de Kush e do Egito seguiram caminhos diferentes.
O legado cultural egípcio fundiu-se aos costumes núbios e foi preservado por muito tempo depois do desaparecimento do Egito Antigo uma vez que o reino de Kush sobreviveu por mais mil anos.
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Veja a continuação desse artigo:
Reino núbio de Kush, período meroíta
Fonte
- SHERIF, Nagm-El-Din Mohamed. A Núbia antes de Napata (3100 a 750 a.C.). In: MOKHTAR, Gamal (editor). História Geral da África, II: África antiga, cap. 9. Brasília: Unesco, 2010, p. 235-272.
- LECLANT, J. O Império de Kush: Napata e Méroe. In: MOKHTAR, Gamal (editor). Op. cit, cap. 10, p. 273-295.
- HAKEM, Ali A. M. Ali. A civilização de Napata e Méroe. In: MOKHTAR, Gamal (editor). Op. cit, cap. 11, p. 297-331.
- KI-ZERBO. História da África Negra. Lisboa: Publicações Europa-América, 1999.
- M’BOKOLO, Elikia. África Negra: história e civilizações. Lisboa: Vulgata, 2003.
- COSTA E SILVA, Alberto da. A enxada e a lança. A África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.
- Site The Nubian Net. http://www.thenubian.net/
[…] centenas de anos, a história do reino núbio de Kush entrelaçou-se com a do Egito Antigo (veja o vídeo desse período aqui). A partir do século VII a.C., enquanto o Egito declinava sob sucessivos domínios estrangeiros, […]
[…] é uma palavra existente nas línguas zulu e xhosa, faladas na África do Sul, que exprime um conceito moral, uma filosofia, um modo de viver que se opõe ao narcisismo e ao […]
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Levei.