Estudos publicados recentemente revelam que pinturas feitas em cavernas da Espanha remontando a cerca de 65 mil anos teriam sido feitas por neandertais. Desenhos de pontos, traços geométricos e mãos em negativo sugerem que os neandertais, ao contrário do que se supunha, tinham capacidade para o pensamento simbólico – crucial para representar ideias e objetos, tal como os Homo sapiens.
Os neandertais chegaram à Europa há mais de 200.000 anos e viveram em focos isolados que, nos 130 mil anos seguintes, se estenderam da Península Ibérica ao norte da Rússia. Nesse tempo, pintaram cavernas no que hoje é a Espanha muito antes que seus primos humanos chegassem à Europa. Estima-se que o Homo sapiens começou a sair da África há 50 mil anos e só começou a povoar a Europa a cerca de 40 mil anos. Teriam, então, encontrado os neandertais espalhados pelo continentes europeu e já artistas de pinturas em cavernas há milhares de anos.
Os desenhos, pontos, linhas e impressões de mão, foram pintados no fundo de cavernas, em três locais na Espanha. É praticamente impossível desvendar seu significado preciso, afirma Alistair Pike, arqueólogo da Universidade de Southampton, Reino Unido, e co-autor do estudo, mas possivelmente eram significativos para nossos parentes perdidos. “Não era simples decoração de seu espaço de vida”, diz Pike. As pinturas feitas pelos Neandertais sugerem que eles tinham uma mente mais complexa do que se suponha.
Datação de pinturas rupestres em cavernas
A arte rupestre de caverna é difícil de datar. Diferente de ossos e ferramentas desenterrados do solo que podem ser datados com carbono diretamente ou por sua associação com ossos próximos, a pintura na rocha “não está associado com nada além de si mesmo”, diz Pike.
As três cavernas em diferentes partes da Espanha mostram pinturas de menos 65 mil anos de idade, de acordo com a datação urânio-tório de carbonato de cálcio que se formou no topo da arte. Esses depósitos minerais se desenvolvem lentamente conforme a água contendo cálcio entrou em contato com as superfícies das cavernas. A água também contém vestígios de urânio da rocha. Depois que o carbonato de cálcio precipitou para fora da água, um tipo de relógio começou a marcar, já que o urânio decai em tório a uma taxa constante e conhecida.
A datação de urânio-tório tem sido usada em geologia há décadas, mas raramente para estimar a idade da arte das cavernas. Alguns arqueólogos são céticos quanto à abordagem. Eles sugerem que o carbonato de cálcio poderia ter dissolvido e recristalizado depois de ter sido formado pela primeira vez – um processo que também poderia ter lavado um pouco de urânio, fazendo com que uma amostra do mineral pareça mais antiga do que isso.
Video – Arte Neanderthal em uma caverna da Espanha
Arte rupestre
Até agora, a pintura rupestre em caverna mais antiga conhecida tem, aproximadamente, 40 mil anos. São discos, mãos em negativo e figuras de animais pintadas em uma caverna na ilha Sulawesi, a leste de Borneo, na Indonésia. Na Europa, em uma caverna na Cantábria, Espanha, a equipe de Pike encontrou em 2012, desenhos de discos e mãos em negativo em uma caverna na Cantábria, Espanha, datados de 40.800 anos. Ambas pinturas são atribuídas a neandertais.
Até agora, a caverna de Chauvet, no centro da França, repleta com imagens de ursos, leões e cavalos, tinha o título de pinturas rupestres mais antigas do mundo feitas por Homo sapiens. Elas foram datadas de cerca de 39 mil anos, mas isso é controverso, pois a avaliação baseia-se na datação por radiocarbono de pigmentos de carvão, que são suscetíveis à contaminação de outras fontes de carbono.
As célebres pinturas de Lascaux, no sul da França, e de Altamira, no norte da Espanha, consideradas os conjuntos pictóricos mais importantes da Pré-História são bem mais recentes. Lascaux estima-se entre 17 mil e 15 mil anos, e Altamira, entre 16 mil e 12 mil anos (embora, testes usando séries de urânio nesta última avaliem a data para cerca de 32 000 a.C.).
A equipe de Pike vê tendências artísticas que se correlacionam com diferentes períodos. Os primeiros pintores europeus usavam formas geométricas simples, como pontos e discos, enquanto seus sucessores pintaram impressões e figuras graficamente mais complicadas. É preciso, porém, cuidado em fazer qualquer interpretação sobre as mentes dos artistas, isto é, julgamentos sobre a arte ou as habilidades cognitivas de Neandertais e humanos.
Controvérsias sobre as datações
Antecipando objeções sobre seu método de datação, a equipe de Pike coletou amostras das camadas externa, média e interna da crosta de carbonato de cálcio e as datou separadamente. Os pesquisadores esperaram três anos para publicar seus resultados depois de encontrar sua primeira data claramente pré-humana para que eles pudessem coletar vários exemplos e publicar sua metodologia.
Alguns arqueólogos, no entanto, não estão convencidos da datação de 65 mil anos atribuída às pinturas de neandertais na Espanha. “Na minha opinião, devemos ter cuidado com esses resultados bastante antigos até que tenhamos um corpus muito maior de resultados de datação”, diz Roberto Ontañón Peredo, arqueólogo do Museu de Pré-História e Arqueologia de Cantabria em Santander, Espanha.
Pike sugere que essa relutância em acreditar que os neandertais estavam criando arte nas cavernas pode ter menos a ver com disputas metodológicas e mais com as ideias a respeito dos neandertias.
Paola Villa, arqueóloga que estuda a cultura Neandertal na Universidade do Colorado em Boulder, EUA, diz que os neandertais têm uma reputação imerecida de brutos. Segundo ela, uma vez que seus corpos eram “arcaicos” por terem características de hominídeos mais antigos – como ossos mais pesados e sobrancelhas projetadas – todos assumiram que eles também eram “arcaicos em termos de comportamento”. “Eles foram estereotipados como seres que caminhavam arqueados e arrastando grandes clavas de madeira”, diz ela.
Esta suposição alimentou teorias sobre a sua extinção provocada ou estimulada por humanos, considerados mais inteligentes e ágeis do que os neandertais. Contudo, uma revisão cuidadosa, segundo Paola Villa, mostra que “não há nenhuma base segura que comprove uma diferença cognitiva entre os neandertais e humanos modernos”. As teorias mais recentes concentram-se em fatores como baixa densidade populacional e “assimilação por cruzamento” com humanos.
Outras evidências surpreendentes
A arte em forma de escada que Pike e seus colegas atribuem aos artistas neandertais tem, dentro de suas linhas retangulares, traços da figura de um animal. Este e outros semelhantes permanecem um mistério. Pike especula que eles podem ser o resultado de “seres humanos modernos que entraram na caverna e adicionaram sua própria arte”. Os achados levantam, também, a possibilidade dos neandertais terem ensinado os humanos a pintarem, segundo o arqueólogo Francesco d’Errico, da Universidade de Bordéus, na França.
Outra evidência da arte neandertal são os ornamentos pessoais – conchas com restos de pigmentos e conchas pintadas e com furos artificiais supostamente para colares – encontrados em uma caverna costeira no sudeste da Espanha datando de 120 mil a 115 mil anos atrás. Somente os neandertais habitam a Europa naquele momento.
As pinturas e as conchas são fortes indícios que, ao contrário do que até hoje se supunha, os neandertais tinham capacidade para o pensamento simbólico – crucial para representar ideias e objetos, tal como os Homo sapiens.
Fonte
- MARRIS, Emma. Neanderthal artists made oldest-known cave paintings. Nature International Journal of Science. 22 fev 2018.
- WONG, Kate. Ancient cave paintings clinch the case for Neandertal symbolism. Scientific American. 23 fev 2018.
- BOWER, Bruce. Cave art suggests Neandertals were ancient human’ mental equals. ScienceNews. Magazine of the Society for Science & the Public. 22 fev 2018.
- CALLAWAY, Ewen. Spain claims top spot for world’s oldest cave art. Nature International Journal of Science. 14 June 2012.
- 39.900-year-old Indonesian cave paintings rewrite History of Art. Sci News. 9 out 2014.