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Os pecados da carne: sexo e sexualidade na Idade Média

10 de setembro de 2018

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Muitos aspectos da sexualidade medieval fazem parte mais do imaginário coletivo do que da história propriamente dita. O direito de pernada (“jus primae noctis”) ou direito do senhor em desvirginar uma noiva plebeia nunca foi provado. O cinto de castidade foi uma invenção do Renascimento.

Havia, sim, proibições e a Igreja ditava normas sexuais para os cônjuges, porém, não existiram costumes e práticas uniformes e imutáveis por um milênio. As regras e interpretações de caráter teológico são produto da história e, como tal, mudam ao longo do tempo. Houve divergências entre as autoridades eclesiásticas sobre sexo e sexualidade e, dependendo do período e das circunstâncias, certos comportamentos sexuais eram tolerados.

Ao longo dos séculos o prazer sexual foi dando lugar ao sexo para procriação, as relações sexuais foram sendo circunscritas à esfera conjugal e o matrimônio tornou-se um rito sacralizado. A ideia de pecado se alargou e reforçou o medo do castigo divino e do inferno. As autoridades eclesiásticas começaram a impor regras de conduta, de abstinência e proibições. Mas isso levou tempo e, pode-se dizer, que alcançou uma certa generalização a partir do século XI.

Tamanha ingerência na vida humana certamente não impediu que as práticas sexuais, especialmente longe das autoridades, seguissem seu caminho natural, nos bosques, nos estábulos, nas tabernas e até mesmo no interior das igrejas.

Em busca de fontes

Para pesquisar a sexualidade medieval, os historiadores se valem de documentos de tribunais eclesiásticos e civis – quase todos produzidos por homens, em sua maioria monges ou autoridades religiosas. O tema da sexualidade praticamente não foi tratado por dirigentes laicos (nobres, cavaleiros e reis) e mulheres, com raríssimas exceções.

Os registros sobre infrações sexuais devem ser lidos com cautela. Diante de juízes, como interpretar os depoimentos de homens e mulheres, solteiros e casados? Até que ponto as vítimas, as testemunhas e os denunciantes falam a verdade ou dissimulam a realidade?

Outras fontes são os tratados médicos e morais, e, alguma literatura que escapou à censura, como é o caso do Decameron (1351), de Giovanni Boccaccio, na Itália, e dos Contos de Cantuária (1387-1400), de Geoffrey Chaucer, na Inglaterra.

Há, ainda, as peças teatrais, as idealizações poéticas, as ilustrações, as comédias e farsas com seus inumeráveis fragmentos do real que dão pistas sobre a sexualidade medieval.

A arquitetura religiosa também traz indícios sobre a sexualidade medieval. Nos capitéis, pilares e nas gárgulas das igrejas, em especial as românicas, figuras bizarras que alertavam os perigos da carne e os castigos aos infratores como a condenação eterna no fogo do inferno.

O sexo permitido pela Igreja

O único sexo lícito e não pecaminoso era o marital em que a esposa era exclusivamente receptora e reprodutora. Daí a única posição sexual permitida pela Igreja era a do missionário, isto é, o homem sobre a mulher. A mulher deve permanecer passiva, deixando toda iniciativa ao homem. Era o sexo casto para procriação.

A relação sexual era um ritual de poder e identidade masculina, em que a virilidade está na força da penetração e na ejaculação. “Neste caso, o homem vai à mulher como quem vai à privada; para satisfazer uma necessidade” (ROSSIAUD, 2002: 488).

Moderar a luxúria, isto é, o desejo, era a regra de todo cristão. Santo Agostinho alertava “É também adúltero, o homem que ama com demasiado ardor sua mulher”. Acreditava-se que sexo em excesso encurtava a vida, secava o corpo, reduzia o cérebro e destruía a visão.

Para não errar a dose, recomendava-se: relações noturnas, sem nudez completa, duas vezes por semana (não mais que isso) e sem provocar a volúpia por gestos, palavras ou atitudes impudicas.

Posição de missionário

Daí a única posição sexual permitida pela Igreja medieval era a do missionário, isto é, o homem sobre a mulher.

O casal pecava se abusava das relações ou se procurava o prazer através de outras técnicas ou posições. Posições desviantes ultrajavam a ordem natural e provocavam a ira de Deus. Se um casal fosse visto em pleno ato sexual, com a mulher em cima do marido, ou praticando sexo anal ou oral (felação ou cunilíngua) podia ser condenado a vários anos de prisão, conforme o tribunal e as circunstâncias.

O tratado médico-filosófico De Secretis Mulierum, escrito no final do século XIII e atribuído a Alberto Magno, alertava sobre os perigos de desobedecer a norma sexual: “Os atos sexuais reprodutivos indevidos são causa de deficiências de nascimento; a monstruosidade é causada por uma forma irregular de coito”.

Práticas sexuais indevidas eram chamadas de fornicação, termo bíblico que atravessou os séculos carregando a conotação pecaminosa de ato sexual condenado por Deus. Fornicação era o sexo sem fins reprodutivos, isto é, por prazer.

Períodos de abstinência sexual

A Igreja exigia dos casais três longos períodos de abstinência sexual: Natal (30 a 35 dias), Quaresma e Páscoa (47 a 62 dias) e Pentecostes (50 dias).

Relações sexuais eram proibidas, também, aos domingos, Dia do Senhor, às quintas-feiras e sextas-feiras consagrados para a preparação da comunhão, e nas festas de santos em particular.

O casal também devia se abster de sexo durante a gravidez da mulher, na quarentena após o parto, no período de aleitamento e nos dias de regras menstruais.

Os períodos de interdição ao sexo eram tantos que podiam chegar a 250 dias no ano.

Adultério: crime feminino grave

O adultério era crime considerado essencialmente feminino visto que o corpo da mulher pertencia ao marido. O filósofo e escritor inglês Geoffrey Chaucer (c. 1343-1400) dizia que a adúltera “rouba o seu próprio corpo ao marido para entrega-o à luxúria, profanando-o, e rouba a sua alma a Cristo para entrega-la ao diabo”.

O marido traído tinha autorização tácita para matar tanto a esposa adúltera como o amante. A Igreja sempre procurou contornar tais vinganças sangrentas por meio das chamadas “cartas de perdão de cornos”, através das quais se instava o casal a retomar a vida em comum. O adultério e outros crimes sexuais também eram passíveis de punição pela legislação régia podendo o rei conceder “carta de perdão” ao acusado de adultério, incesto, bigamia, alcovitagem, concubinato etc.

Decameron

Uma ilustração do “Decameron” (século XV) mostra um monge que, depois de jantar com o casal, manda o marido se dedicar às orações enquanto vai para a cama com sua mulher.

Amásias e concubinas

Mais tolerável era o “amasiamento”, isto é, a relação marital sem o casamento formal, situação comum em todos os estratos sociais, incluindo o próprio clero. Havia casos em que o casal subscrevia uma espécie de contrato de convivência diante de um notário. Talvez venha daí a “declaração ou carta de amásia”, existente no direito brasileiro, pela qual a mulher declara um relacionamento fixo com o parceiro que se encontra encarcerado e, assim, poder visitá-lo no presídio. É a chamada “união estável”, termo que tende a substituir o anterior.

O termo amásia ou manceba usado para chamar a mulher que vivia maritalmente com homens sem estar casada, acabou designando, também, a amante de homem casado ou de clérigo.

Nas grandes famílias, o concubinato e as aventuras passageiras acompanham o matrimônio, constituindo uma poligamia de fato. Carlos Magno, o rei franco, teve onze esposas e companheiras. Entre os pobres, contudo, a monogamia era a marca. A maior parte dos clérigos seculares vivia em concubinato, quando não eram abertamente casados. As comédias e farsas medievais ironizam a castidade dos monges, mas não ousam ironizar a virgindade das monjas.

Casas de banho

As casas de banho dos bordeis reuniam, no mesmo ambiente, prazeres do sexo e da gula. Iluminura, manuscrito de Valerio Maximo, 1400-1425

Prostituição: o mal necessário

A prostituição, na qualidade de pura fornicação, era condenada pelo cristianismo, porém, tacitamente tolerada pelas autoridades eclesiásticas e civis por ser considerada um “mal necessário”. Servia para aplacar o desejo masculino, proteger as donzelas e as esposas virtuosas.

Foi com essa mentalidade que, entre 1321-1325, o rei Jaime II (1267-1327), de Aragão, ordenou a construção de uma área de prazer em Valência e que veio a se tornar uma das maiores da Europa. O local reunia centenas de prostitutas jovens, bem vestidas e que não eram baratas. Havia lojas, tabernas, casas de banho e pátios onde se celebrava todo tipo de festas e prazeres eróticos.

Logo surgiram outras áreas de prostituição como em Sevilha, em 1337, Murcia, em 1444 e Barcelona, em 1448. Nenhuma, porém, superou a de Valência que manteve-se aberta por três séculos, até 1651 quando se ordenou às mulheres abandonarem o lugar e 1671, ano em que a última prostituta saiu do prostíbulo.

Fonte da Juventude

Nos bordéis, a prostituição servia para aplacar o desejo masculino. “A busca pela fonte da juventude”, afresco, c.1416-17, castelo de La Manta, Saluzzi, Piemonte, Italia

Homossexualidade, masturbação e outros pecados

Se na Alta Idade Média, a homossexualidade mereceu alguma tolerância, talvez pelo legado cultural do mundo romano, na Baixa Idade Média foi condenada pela religião e vilipendiada por toda a sociedade até praticamente o século XX. Santo Tomás considerava a homossexualidade uma forma de canibalismo e bestialidade.

Os castigos pelo amor carnal entre homens ou entre mulheres podiam ser mutilações ou a morte na fogueira. Quando se tratava de homens, usavam-se os termos “sodomia”, “pecado contra natura” e “contra a virilidade”.

Tão grave quanto a homossexualidade era o pecado da masturbação, por desperdiçar a “semente da vida”. Acreditava-se que a masturbação debilitava o indivíduo, podia levá-lo à impotência e à homossexualidade. Os castigos para os “tocamentos indevidos” não eram tão severos: trinta dias de orações e jejum era o mais habitual.

Eram também faltas morais graves: toda ação anticoncepcional, porções afrodisíacas, abortivas ou para curar a impotência. Além de pecado contra a natureza, essas ações podiam ser associadas a feitiçaria o que aumentava a punição do(a) acusado(a).

A maior repressão sexual veio depois

Apesar da Idade Média ter ganhado a fama de período de repressão sexual, a severidade moral da Igreja e das autoridades civis foi mais dura, intolerante e punitiva a partir do final do século XV, em pleno Renascimento. Os dogmas mais rígidos foram estabelecidos no Concílio de Trento (1545-1563) que reafirmou o catolicismo mais intransigente.

A centralização política e a dinamização das rotas comerciais permitiram que as leis, a vigilância religiosa e as punições chegassem a toda parte. No mundo católico, a repressão radicalizou-se com a criação da Inquisição, que teve seu equivalente (igual ou pior) no meio protestante, com a obediência férrea às Sagradas Escrituras.

Ganhava forma, assim, o contexto moral que reprimiu, sem concessões, a sexualidade durante centenas de anos, chegando praticamente até o final do século XX.

Homosssexualidade

No século XVI, a homossexualidade de índios na América Central escandalizou o espanhol Vasco Nuñez Balboa que mandou seus cães atacarem os nativos. A repressão sexual de raiz medieval avançou os séculos. Gravura de Theodor de Bry.

Fonte

  •  KLAPISCH-ZUBER, Christiane. A mulher e a família in: LE GOFF, Jacques. O homem medieval. Lisboa: Editorial Presença, 1989.
  • LE GOFF, Jaques & TRUONG, Nicolas. Uma história do corpo na Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
  • RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as minorias na Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
  • ROSSIAUD, Jacques. Sexualidade. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário temático do Ocidente Medieval. Bauru, Sp: Edusc; São Paulo, Sp: Imprensa Oficial do Estado, 2002, v. II, 2002.
  • ROSSIAUD, Jacques. Sexualités au Moyen Age. Paris: éd. Jean-Paul Gisserot, 2013.
  • ROSSIAUD, Jacques. A prostituição na Idade Média. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
  • VERDON, Jean. Os bordéis, casas das mais toleradas. In: Revista História Viva. São Paulo: Duettoano 1, n. 5, mar/2004, p. 44-45.
  • ALVES, Gracilda. Amor carnal e amor pecaminoso. Cartas de Perdão na chancelaria de D. João II.
  • LÓPEZ, Noelia Rangel. Moras, jóvenes y prostitutas: acerca de la prostitución valenciana a finales de la Edad MediaMiscelánea Medieval Murciana, XXXII, 2008.

 

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