Em 14 de setembro de 1833, o tipógrafo Francisco de Paula Brito fundou o pasquim O Homem de Cor – expressão comum, na época, para se referir aos negros e que perdurou até a segunda metade do século XX. Foi primeiro jornal da imprensa negra do Brasil e o primeiro a lutar contra a discriminação racial e por maiores possibilidades de ascensão social à população negra.
A livraria e tipografia de Paula Brito foram instaladas na Praça da Constituição, no 51, na atual Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro. Mais tarde, mudou-se para o no 64, que se tornaria seu endereço mais conhecido.
Paula Brito foi um ativista político e um dos primeiros a inserir a questão racial no debate político. Em sua tipografia, além de O Homem de Cor, foram impressas obras como O Mulato, de Aluísio de Azevedo, em 1881.
- BNCC: 8°e 9° anos. Habilidades: EF08HI19, EF08HI20, EF08HI22, EF09HI04
Um livreiro respeitado
A loja de Paula Brito tornou-se ponto de encontro de intelectuais, com marcante presença negra. Ali nasceu a Sociedade Petalógica – nome criado por Brito, derivado de “peta” (uma mentira) para se referir à liberdade de expressão e imaginação de seus membros. O local reunia o movimento romântico de 1840-1860: poetas como Gonçalves Dias, romancistas como Joaquim Manuel de Macedo e Manuel Antônio de Almeida, compositores como Francisco Manuel da Silva, artistas como Manuel de Araújo Porto Alegre, e atores como João Caetano dos Santos.
A “Livraria de Paulo Brito” recebia, também políticos como José da Silva Maria Paranhos (pai do Barão do Rio Branco) e Euzébio de Queiroz, jornalistas como Joaquim de Saldanha Marinho, e um grande número de médicos e advogados.
A tipografia e a livraria de Paula Brito foram um acontecimento incomum no Brasil da época. Em um negócio dominado por livreiros e impressores estrangeiros (franceses, na maioria) ou filhos de estrangeiros, Paula Brito, um mestiço autodidata e de origem muito humilde, conquistou espaço e reconhecimento tornando-se o livreiro preferido pela elite intelectual do Rio de Janeiro.
Paula Brito e a turbulência das Regências
Paula Brito começou seu negócio, em 1831, comprando um pequeno estabelecimento de um parente. A loja, situada na praça da Constituição, no. 51, era uma papelaria e oficina de encadernação onde também se vendia chá: daí a referência “a loja de chá, do melhor que há”. Ali ele instalou um pequeno prelo.
Em 14 de setembro de 1833, publicou o primeiro número de O Homem de Cor. O jornal teve cinco números e circulou entre setembro e novembro daquele ano.
O cabeçalho das cinco edições trazia, no canto à esquerda, a transcrição do parágrafo XIV do artigo 179 da Constituição de 1824: “Todo o Cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos e militares, sem outra diferença que não seja a de seus talentos e virtudes”.
No canto direito reproduzia um trecho do ofício do Presidente da Província de Pernambuco, de 12 de junho de 1833: “O Povo do Brasil é composto de Classes heterogêneas, e debalde as Leis intentem misturá-las ou confundi-las, sempre alguma há de procurar, e tender a separar-se das outras, e eis o motivo a mais para a eleição recair nas classes mais numerosas” (O Homem de Cor, n.1, p.1).
Era uma época turbulenta. A abdicação de D. Pedro I foi seguida de tumultos, revoltas e outras desordens, particularmente para aqueles que se opunham ao governo. Em dezembro de 1833, muitos jornais da oposição foram atacados pela multidão com a aprovação tácita do governo. Paulo Brito foi ameaçado por ter impresso um jornal, chamado O Restaurador, que fazia apologia ao exilado D. Pedro I. As autoridades desaprovavam a insistência de Paula Brito em preservar o anonimato dos colaboradores do periódico e ele se declarava inteiramente responsável por tudo que publicava.
Paulo Brito enfrentou uma multidão furiosa, mas conseguiu impedir que ela invadisse seu estabelecimento e, assim, seu negócio foi salvo.
Há registro de 372 publicações não-periódicas feitas por Paula Brito, de temática variada, sendo 83 na área médica, mas a maior parte constituída de dramas. Paula Brito incentivava a literatura nacional. Pode-se considerar que o primeiro romance brasileiro com algum valor literário tenha sido O Filho do Pescador, de Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa, publicado em 1843.
Paula Brito empregou o poeta Casimiro de Abreu e o jovem Machado de Assis, que começou como revisor de provas na tipografia aos 16 anos de idade. Foi ali, em 1855, que ele publicou um poema de sua autoria no jornal A Marmota Fluminense. Paula Brito foi, assim, o primeiro editor de Machado de Assis.
Machado de Assis, que frequentou a Sociedade Petalógica, referiu-se a ela da seguinte forma: “Lá se discutia de tudo, desde a retirada de um ministro até a pirueta da dançarina da moda, desde o dó do peito de Tamberlick [cantor de ópera] até os discursos do Marquês do Paraná “.
Confira aqui a edição digital de O Homem de Cor, no. 1, 1833, do acervo da Biblioteca Nacional.
Fonte
- HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil: sua história. São Paulo: T. A. Queiroz, Edusp, 1985.
- MAGALHÃES, Ana Flavia Pinto. Imprensa Negra no Brasil do século XIX. Selo Negro, 2010.
- Tinta preta e pele escura: a necessidade de uma imprensa negra a necessidade de uma imprensa negra. Geledés, Instituto da Mulher Negra, 16 set 2015.
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