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O “domingo negro” dos caras-pintadas

16 de agosto de 1992

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Em 16 de agosto de 1992, milhares de manifestantes foram às ruas nas cidades brasileiras, com rostos pintados e vestidos de preto em sinal de luto, para pedir o impeachment do presidente Fernando Collor e a prisão do empresário Paulo César Farias — tesoureiro da campanha eleitoral e principal articulador do esquema de corrupção montado no governo.

Pesaram contra o presidente, também, suas medidas econômicas impopulares que ficaram conhecidas como Plano Collor. A medida de maior repercussão foi o empréstimo compulsório ao governo de todo valor mantido na poupança que excedesse os 50.000 cruzeiros. A medida ficou conhecida popularmente como confisco da poupança (o dinheiro, contudo, seria devolvido).

O Brasil tinha realizado em 1989 sua primeira eleição direta em quase três décadas (a última foi em 1961 quando foi eleito Jânio Quadros). Era, também, a primeira eleição com a participação de um líder operário, Lula, que quase foi eleito. O país sediou o maior encontro de chefes de Estado já realizado até então, o Rio-92.

Nessas circunstâncias, Fernando Collor eleito com 35 milhões de votos tornou-se o depositário de grandes esperanças de mudanças e de uma enorme responsabilidade. Sua campanha baseara-se num discurso ético que propunha “o fim dos marajás”, fundamentando-se no slogan: “Ladrão vai para a cadeia.”

Em 1991, Pedro Collor, irmão do presidente, começou a organizar um dossiê com documentos que incriminavam Paulo César Farias por uso de informações privilegiadas, tráfico de influência, cobrança de “pedágio” (comissão) a empresas e entidades para a realização de obras públicas, corrupção, enriquecimento ilícito, remessa ilegal de divisas para o exterior, sonegação de impostos etc.

A revista Veja, em 13 de maio de 1992, publicou a primeira parte desse dossiê. No dia 18, o Jornal do Brasil publicou entrevista com Pedro que incriminava Fernando por cumplicidade com Paulo César Farias. Dias depois, em 24 de maio, a Veja publicou uma entrevista exclusiva de Pedro que envolvia o presidente no que passou a ser chamado de “esquema PC”, confirmando as declarações publicadas no Jornal do Brasil. Uma das mais fortes afirmações tornou-se o título da reportagem: “O PC é o testa-de-ferro de Fernando”.

Entidades como a OAB e a CNBB começaram um movimento pela ética na política, com atos pequenos, que reuniam cinco mil pessoas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Organizações mais à esquerda começaram ali a pedir a saída do presidente. A UNE, num ato de rebeldia, decidiu abraçar essa bandeira.

O movimento ganhou a adesão de milhares de estudantes que ficaram conhecidos como “caras-pintadas” pelas cores verde e amarelo pintadas em seus rostos. Em coro, os manifestantes cantavam “Fora Collor!!! Fora Collor!!!” ou “Ai, ai, ai, ai, se empurrar o Collor cai”. A bandeira da UNE, que tivera importante papel nos movimentos de resistência à ditadura militar, tomou as ruas e projetou na mídia o nome de seu presidente, o jovem Lindberg Farias, paraibano de 22 anos, filiado ao PCdoB.

Na tentativa de reaver seu prestígio junto à população, Collor pediu, em rede nacional de rádio e TV, para a população ir às ruas em seu apoio no domingo seguinte, 16 de agosto, vestindo verde-e-amarelo, as cores de sua campanha.

Em resposta à convocação, as pessoas foram para as ruas com roupas negras e rostos marcados de tinta preta, simbolizando o luto e a indignação que sentiam pela corrupção no governo. A manifestação do 16 de agosto de 1992 ficou conhecida como “domingo negro”.

Outras manifestações ocorreram em 21 e 25 de agosto, e em 16, 17 e 18 de setembro sempre reunindo milhares de jovens e em todas as grandes cidades e capitais do país.

O Banco Central decidiu investigar as contas de Paulo César Farias. No mesmo dia, por meio de requerimento apresentado por José Dirceu e Eduardo Suplicy, ambos do PT, o Congresso decidiu-se pela instalação de uma CPI mista para investigar as acusações de Pedro.

Com a crescente indignação pública, 18 entidades civis, entre elas a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), a Força Sindical, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Comissão Nacional de Justiça e Paz, o Movimento Nacional dos Direitos Humanos e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) reuniram-se e deram início ao Movimento pela Ética na Política, preparando um documento conjunto no qual era exigida rigorosa apuração das acusações.

Em 9 de setembro, uma sessão histórica da Câmara, em transmissão direta por televisão e rádio, aprovou a admissibilidade do impeachment. Dos 503 deputados, 448 votaram a favor, 38 contra, 23 estiveram ausentes e um absteve-se.

Aberto o processo de impeachment no Senado, em 2 de outubro, Collor deixou a Presidência, substituído interinamente pelo vice Itamar Franco.

Em 29 de dezembro de 1992, esgotadas todas as formas jurídicas de defesa, começou o julgamento de Collor no Senado. O presidente renunciou por meio de uma carta lida pelo advogado Moura Rocha no Senado, para preservar seus direitos políticos. Porém, o julgamento continuou e, por 76 votos a favor e 3 contra, Fernando Collor foi condenado à perda do mandato à inelegibilidade por oito anos. Assumiu a presidência o vice-presidente Itamar Franco.

Fernando Collor

Fernando Collor segurando a mão de sua esposa Rosane Malta deixa o Palácio da Alvorada após apresentar sua renúncia.

Collor pós-impeachment

Collor viveu em Miami entre 1995 e 1998 quando retornou ao Brasil. Entrou com recursos junto ao STF pleiteando a recuperação dos direitos políticos, sem sucesso. Disposto a entrar novamente na vida política, tentou uma candidatura a prefeito e depois a governador de Alagoas (2002) sem resultado.

Foi eleito senador por Alagoas em 2006 e reeleito em 2014. Nesse meio tempo, lançou-se ao governo de Alagoas e foi derrotado (2010).

Em 2018, anunciou que iria concorrer à presidência da República, buscando sua segunda eleição, mas desistiu. No ano seguinte, disputou o governo de Alagoas com apoio de Jair Bolsonaro, mas não conseguiu se  eleger, terminando em terceiro lugar.

Nesse período, avançavam os inquéritos sobre corrupção da Petrobras e Collor estava incluído na lista de 47 políticos investigados. Em um mandato de busca e apreensão, Collor teve três carros apreendidos: uma Ferrari, um Porsche e um Lamborghini (julho de 2015).

Em abril de 2017, a Polícia Federal concluiu um dos inquéritos contra Collor e o acusou de peculato (desvio de dinheiro público por meio de seu cargo) por ter interferido para que a BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras, contratasse uma empresa que, depois, repassava recursos ao senador.

O caso foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal em maio de 2023, e Collor foi condenado por 9 votos a 2, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro a 8 anos e 10 meses de prisão, em regime inicial fechado. A execução da pena ainda guarda o exame dos recursos da defesa ao STF

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