Em 10 de julho de 1925, teve início o julgamento de John Scopes, professor de ciências, de 24 anos, no estado do Tennessee, EUA, acusado de violar a Lei Butler (de março de 1925) que tornava ilegal o ensino da teoria de Charles Darwin ou de qualquer doutrina que contrariasse a criação divina do homem conforme ensinado pela Bíblia.
O caso, chamado de forma pejorativa de “Julgamento do Macaco de Scopes”, colocou em confronto dois grandes advogados da época, William Bryan (pela acusação) e Clarence Darrow (pela defesa), em um debate sobre o criacionismo e evolucionismo. O primeiro baseou-se na leitura fundamentalista do texto sagrado, enquanto o segundo buscou fazer uma interpretação liberal da Bíblia e demonstrar a validade da teoria de Darwin.
William Bryan, advogado de acusação, criticou a evolução por ensinar às crianças que os humanos eram apenas um dos 35.000 tipos de mamíferos e, pior, de que os seres humanos sequer descendiam “dos macacos americanos, mas dos macacos africanos”. Declarou ainda que a defesa estava usando o tribunal para “difamar a Bíblia”.
Clarence Darrow, da defesa, argumentou que não havia conflito entre a evolução e o relato da criação na Bíblia e, para apoiar essa afirmação, ele levou ao tribunal oito cientistas evolucionistas. O juiz, porém, não permitiu que esses especialistas testemunhassem pessoalmente. Em vez disso, eles foram autorizados a apresentar declarações por escrito para que suas evidências pudessem ser usadas na apelação. Darrow defendeu, também, que a Bíblia deveria ser preservada no reino da teologia e moralidade, e não colocada em um curso de ciências.
Durante o julgamento, Darrow questionou passagens do Gênesis: se Eva foi realmente criada a partir da costela de Adão, se foi tentada pela serpente, onde Caim obteve sua esposa, em que dia o mundo foi criado, se Jonas viveu de fato dentro de uma baleia durante três dias etc. Bryan defendia todas as passagens bíblicas como verdadeiras pois eram milagres de Deus, chegando a afirmar que o ensino da ciência era um ensinamento satânico.
Em uma entrevista, Darrow disse: “Acho que este caso será lembrado como o primeiro desde que paramos de julgar as pessoas na América por bruxaria; fizemos o possível para reverter a onda que tentou impor, neste mundo moderno, uma crença religiosa contra a ciência.”
O juiz John T. Raulston limitou o julgamento ao fato do professor ter admitido sua “culpa”. O juiz não estava interessado no mérito da lei (que se tornaria o foco do julgamento), mas na violação dela. Assim, como o acusado admitia ter ensinado o evolucionismo, então, para o juiz estava provado de que ele agiu de forma intencional e, portanto, era culpado.
A sentença saiu no dia 21 de julho: o professor foi culpado e recebeu uma multa de 100 dólares, equivalente hoje a 1.700 mil dólares, uma fortuna para um professor naquela época!
Foi somente nesse momento que o réu falou pela primeira e única vez no tribunal:
—Meritíssimo, sinto que fui condenado por violar um estatuto injusto. Continuarei no futuro, como fiz no passado, a me opor a essa lei de todas as maneiras que puder. Qualquer outra ação seria uma violação do meu ideal de liberdade acadêmica, isto é, ensinar a verdade garantida em nossa constituição, de liberdade pessoal e religiosa. Eu acho que a lei e a multa são injustas.”
O professor apelou para a Suprema Corte do Tennessee que confirmou a constitucionalidade da lei de 1925, mas eliminou a multa por um detalhe técnico: não cabia ao juiz fixá-la, mas ao júri.
Bryan, o advogado de acusação, morreu dormindo cinco dias após a conclusão do julgamento, vítima de apoplexia. Sua morte foi uma perda insuperável para os fundamentalistas que contavam com sua retórica inflamada para ganhar mais seguidores.
A polêmica criacionismo x evolucionismo continuou. Leis contra o ensino do evolucionismo semelhantes à Lei Butler foram aprovadas em outros estados como o Mississipi e Arkansas. Os livros didáticos que, até então, traziam alguma informação sobre evolucionismo, removeram o tema e evitaram a palavra “evolução” para não provocar os fundamentalistas.
Revisão do ensino de ciências nos EUA
A partir da década de 1950, com os avanços da ciência, a opinião pública estadunidense começou a mudar em apoio à ciência e tecnologia modernas. Estava-se então, em plena Guerra Fria e da disputa político-ideológica com a União Soviética à frente dos EUA na corrida espacial: em 1957 foi lançado o Sputnik, o primeiro satélite artificial produzido pelo programa soviético, fato que abalou as autoridades estadunidenses.
Era preciso uma revisão urgente do ensino de ciências nas escolas públicas dos Estados Unidos. Temendo que o sistema educacional do país estivesse ficando para trás em relação à União Soviética, o Congresso aprovou, em 1958, a Lei de Educação de Defesa Nacional. A lei rendeu livros didáticos, produzidos em cooperação com o Instituto Americano de Ciências Biológicas, que enfatizavam a importância da evolução como o princípio unificador da biologia.
Houve resistências contra a mudança educacional. A maior reação foi no Texas, onde os ataques foram lançados em sermões e na imprensa. Porém, além do apoio federal, várias tendências sociais transformaram a discussão em favor da evolução e da melhoria da educação pública. Lei Butler no Tennessee foi revogada em 1967.
No ano seguinte, a Suprema Corte dos Estados Unidos considerou inconstitucionais todas as leis proibindo o ensino da evolução por considerar que elas tinham a intenção de promover uma visão religiosa o que violava a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos (sobre separação entre Igreja e Estado, livre exercício da religião, liberdade de expressão e de imprensa).
O professor Scopes morreu dois anos depois disso, em 1970. Em uma entrevista ao jornal ele afirmou que não violou a Lei Butler explicando que havia pulado a aula de evolução e que o advogado de acusação tinha treinado seus alunos para testemunharem contra ele. Sua vida profissional e pessoal foi profundamente afetada, tendo sua imagem pública ridicularizada em charges, histórias em quadrinhos e outras mídias durante os anos seguintes.
A polêmica evolucionismo x criacionismo hoje
Em pleno século XXI, a polêmica criacionismo x evolucionismo mantém-se viva. O ensino da teoria de Darwin nas escolas tem sido uma questão controversa nos EUA, especialmente em estados com fortes influências religiosas e culturais que favorecem o criacionismo ou o chamado “desenho inteligente”. Embora a Constituição, através da Cláusula de Estabelecimento da Primeira Emenda, proíba o estabelecimento de uma religião estatal, a interpretação e aplicação desta cláusula no contexto da educação pública variam de estado para estado.
Estados com restrições ao ensino do evolucionismo nos EUA
Tennessee: aprovou, em 2012, a Lei de Proteção Acadêmica de Professores, que permite que os professores discutam “pontos fortes e fracos” de teorias científicas, incluindo a evolução. Embora a lei não proíba explicitamente o ensino da evolução, ela encoraja a introdução de ideias criacionistas sob o pretexto de “pensamento crítico”.
Louisiana: aprovou, em 2008, a Lei de Educação em Ciência que permite aos professores usar materiais suplementares ao ensinar tópicos controversos como a evolução. Críticos argumentam que essa lei abre a porta para o ensino do criacionismo e do design inteligente, minando o ensino da evolução. A lei foi fortemente contestada, mas permanece em vigor.
Kansas: em 1999, o Conselho de Educação do Estado de Kansas removeu quase todas as referências à evolução do currículo escolar do estado. A decisão foi revertida em 2001. Alterações posteriores resutaram em normas que minimizam o papel da evolução.
Texas: em 2009, o Conselho Estadual de Educação do Texas aprovou normas que exigem que os estudantes analisem e avaliem “pontos fortes e fracos” das teorias científicas. Embora não haja uma proibição explícita, essas diretrizes facilitam a introdução de teorias alternativas ao darwinismo nas salas de aula.
Tentativas de restringir o ensino do evolucionismo
Alabama: exige que os livros didáticos de ciência incluam um aviso descrevendo a evolução como “uma teoria, não um fato”, o que pode confundir os estudantes sobre a aceitação científica da teoria.
Kentucky: houve propostas de leis que permitiriam o ensino do criacionismo lado a lado com a evolução, mas essas propostas não foram aprovadas
Missouri: várias tentativas legislativas foram feitas para introduzir o ensino do criacionismo ou design inteligente, mas essas tentativas não conseguiram avançar.
O evolucionismo em outros países
Na Romênia, em 1998, Ioan Moisin, um senador democrata-cristão e padre católico, fez uma forte campanha contra o ensino do evolucionismo nas escolas. O Parlamento e o Ministério da Educação, porém, não consideraram os argumentos do senador. No entanto, a partir de 2006, a teoria de Darwin desapareceu dos livros escolares em todo país e, até 2015, não foi mais reintroduzida.
Na Polônia, em 2006, o vice-ministro da Educação Miroslaw Orzechowski denunciou a evolução como uma mentira ensinada nas escolas polonesas. Seu superior, porém, o ministro da Educação afirmou que a teoria da evolução continuaria a ser ensinada nas escolas do país “enquanto a maioria dos cientistas disser que é a teoria certa”.
Na Arábia Saudita, Irã, Paquistão, Sudão e Turcomenistão, países de religião islâmica, a educação prioriza ensinamentos religiosos sobre explicações científicas. O evolucionismo é praticamente inexistente no currículo escolar oficial ou ensinado de forma crítica.
O ensino do evolucionismo no Brasil
No Brasil, o ensino da teoria da evolução tem sido alvo de controvérsias e tentativas de proibição. Em 2004, o deputado estadual Edino Fonseca (PL-RJ) propôs um projeto de lei na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro que exigia o ensino do criacionismo nas escolas estaduais. A proposta gerou grande polêmica e foi amplamente criticada por cientistas e educadores, que a consideraram uma violação do princípio de laicidade do estado e uma ameaça à qualidade da educação científica. A proposta acabou sendo arquivada, mas abriu um precedente para futuras tentativas.
Em 2010, o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), conhecido por suas posições conservadoras e religiosas, sugeriu em entrevistas e palestras a introdução do criacionismo nas escolas públicas como alternativa à evolução. Embora ele não tenha formalizado um projeto de lei, suas declarações estimularam debates públicos e mostraram o apoio de uma parcela da população a essa ideia.
Em 2017, o deputado estadual Léo Moraes (PTB-RO) apresentou um projeto de lei que obrigava as escolas de Rondônia a ensinarem “alternativas científicas à teoria da evolução”, incluindo o criacionismo. O projeto foi amplamente criticado pela comunidade científica e educacional, que argumentou que o criacionismo não é uma teoria científica, mas sim uma crença religiosa. Após intensos debates, o projeto foi rejeitado.
Fonte
- A Monkey on Tennessee’s Back: the Scopes Trial in Dayton.
- MACKENZIE, Debora. Creationism special: a battle for science’s soul. New Scientist, 9 julho 2005.
- Escolas do Rio vão ensinar criacionismo. Folha de S. Paulo, Ciência, 13 maio 2004.
- ROSSETTI, Victor. O caso John Scopes (1925) e seus desdobramentos. Netnature.
- Criação e evolução no ensino público. Wikipedia.