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Eufrásia: a mulher que recusou o papel de sinhá

27 de julho de 2016

2005
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Quem foi Eufrásia Teixeira Leite? A mulher que deixou uma fortuna para o burrinho Pimpão ou que gostava tanto de formigas que não permitia que as matassem em sua casa? As supostas excentricidades escondem uma mulher que fugiu dos padrões impostos por uma sociedade masculina e patriarcal. Nascida em família de “barões do café” do Vale Fluminense, ela escolheu para si outro destino, inusitado: ser agente, operadora e investidora da Bolsa de Valores, de Paris.

Para entender essa história é preciso sacudir o pó e revirar muitas caixas de documentos porque cada informação é uma peça preciosa para montar o quebra cabeça da vida dessa mulher que dirigiu sua própria vida, em uma época que cabia às mulheres um papel socialmente secundário, dependente e obediente a um marido provedor.

  • Texto e pesquisa de Mariana Ribeiro*

Família de barões e comissários de café

Retrato de Eufrásia Teixeira Leite

Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930), óleo sobre tela, de Carolus-Duran, 1880, Museu Casa da Hera, Vassouras, RJ.

Eufrásia (1850-1930) nasceu em Vassouras, cidade no Vale do Paraíba fluminense, que naquela época vivia a pujança da lavoura de café. Era a terceira filha de Joaquim José Teixeira Leite e Ana Esméria Corrêa e Castro. O único filho homem do casal morreu ainda bebê. Ficaram apenas as duas irmãs, Eufrásia e Francisca.

O pai atuou na política imperial como presidente da Câmara Municipal de Vassouras e deputado da província do Rio de Janeiro. Contudo, sua principal atividade era a Casa Comissária de café. Recebia dos fazendeiros o café para ser vendido e exportado. O dinheiro arrecadado era mantido em crédito em uma conta do fazendeiro, da qual era debitado o valor dos mantimentos e outros pedidos que garantiam novas plantações. Eram as casas comissárias que financiavam a lavoura de café. A garantia era a safra futura.

O poder e a fortuna estavam nas mãos dos comissários de café que controlavam o recurso financeiro para poder investir e realizar o processo produtivo (fazendas e mão de obra).

Os Corrêa e Castro, a família do lado materno, eram grandes fazendeiros de café com títulos de nobreza: o avô de Eufrásia era o barão de Campo Belo, Laureano Corrêa e Castro (proprietário da célebre fazenda do Secretário). O avô do lado paterno era o barão de Itambé, Francisco José Teixeira.

O casamento dos pais de Eufrásia unia duas famílias poderosas, de um lado, os Corrêa e Castro, produtores de café e, de outro, os Teixeira Leite que detinham o crédito e financiavam a produção rural.

Chácara Casa da Hera, atualmente Museu Casa da Hera, em Vassouras,RJ

Chácara Casa da Hera, em Vassouras, onde Eufrásia nasceu e viveu até os 22 anos de idade. Atualmente o local funciona como Museu Casa da Hera tendo em seu acervo os pertences da família Teixeira Leite.

Vassouras, a cidade do café

Vassouras atingiu o auge da produção de café em 1850. A vila próspera, tinha, então, cerca de 3.500 moradores em sua área urbana e já era chamada de “princesinha do café”, contribuindo com o país para a maior produção e exportação de café do mundo.

A cidade possuía calçamento, teatro, médico, igreja matriz, hotéis (sempre lotados), casarios, palacetes e importantes estabelecimentos de ensino – tudo financiado pelo ouro verde como era chamado o café. Vassouras era, então, a cidade com maior número de fazendeiros nobilitados: 25 barões, 7 viscondes, 1 viscondessa, 1 condessa e 2 marqueses.

O Museu Casa da Hera exibe peças que ilustram a riqueza da “cidade dos barões”, entre elas, um aquecedor com chaminé móvel, um piano Herz de cauda longa, um aparelho de estereoscópico que criava imagens tridimensionais, efeito que encantava a família e os convidados nas animadas reuniões sociais.

Salão Amarelo, Museu Casa da Hera

Salão Amarelo da Casa da Hera com o piano de cauda Henri Herz, um dos únicos fabricados pelo próprio Henri Herz (1803-1888) e ainda em funcionamento no mundo.

Eufrásia e Francisca: sozinhas, ricas e solteiras

Eufrásia e Francisca estudaram no internato dirigido pela francesa Madame Grivet, para onde se mandavam as moças das famílias ricas da região de Vassouras. No currículo do colégio constavam as disciplinas: doutrina cristã, português, francês, inglês, alemão, história, geografia, aritmética, caligrafia, música, desenho e trabalhos de agulha.

As anotações de Eufrásia nos cadernos indicam sua personalidade forte e independente, como esta datada de 1859, quando ela tinha apenas 9 anos de idade: “eu escrevi isto em 21 de março, mas eu sabia melhor escrever porque eu escrevi, com muita pressa porque eu quis” (sic).

As irmãs perderam a mãe e o pai em um curto período herdando uma fortuna equivalente a 5% do valor das exportações brasileiras. Sozinhas, ricas e solteiras tomaram uma decisão incomum para as mulheres da época: deixar o país e fixar residência em Paris.

Era o ano 1873, Eufrásia tinha 22 anos e Francisca, 28. Contrariavam os costumes da sociedade patriarcal da época: não se casaram e nem deixaram aos tios a administração da herança. O pai lhes ensinara matemática financeira e esse conhecimento libertou as irmãs da tutela masculina.

retrato, Eufrásia Teixeira Leite

Eufrásia ao centro, à direita sua irmã Francisca, e à esquerda, Letícia Guimarães.

Escândalo: o namoro com Joaquim Nabuco

No navio, Eufrásia conheceu o jovem Joaquim Nabuco, um promissor político e abolicionista. Os dois se apaixonaram iniciando um relacionamento que duraria 14 anos.

As fontes de pesquisa sobre o relacionamento entre Nabuco e Eufrásia se baseiam no Diários de Joaquim Nabuco, 1873-1910 (editora Bem-te-vi) e nas 28 cartas de Eufrásia, atualmente guardadas na Fundação Joaquim Nabuco, em Recife. Correspondências enviadas durante os anos de relacionamento. As respostas do Joaquim Nabuco não foram encontradas.

Em uma das cartas Eufrásia escreveu para Nabuco, de Paris: “Eu preferia mil vezes que estivesse aqui, se pudesse vir seria muito melhor, mas tem me dito sempre que não virá se eu não estiver resolutamente decidida a casar-me logo, isso infelizmente não lhe posso dizer…” (Paris, 22 de janeiro de 1886.)

Joaquim Nabuco

Joaquim Nabuco (1849-1910) tinha 24 anos quando se apaixonou por Eufrásia. O namoro durou quatorze anos, período em que Nabuco se destacou na campanha abolicionista.

 

Eles não conseguem chegar a um acordo para conciliar a vontade dos dois: Nabuco queria morar no Brasil e Eufrásia estava decidida a permanecer na Europa. A família também não concordava com o noivado: Nabuco era abolicionista e do Partido Liberal, enquanto os Teixeira Leite eram do Partido Conservador e proprietários de escravos.

Finalmente, rompem o relacionamento no final de 1886. Nabuco tornou-se embaixador e, dois anos depois, casou-se com a jovem Evelina Torres Soares Ribeiro, de 22 anos. Eufrásia nunca se casou e mergulhou no mundo financeiro onde já se revelava grande investidora.

A vida em Paris da Belle Époque

Francisca e Eufrásia adquiriram um palacete de cinco andares em local nobre em Paris, próximo ao Arco do Triunfo. O terreno tinha mais de 695 m2 incluindo salões para festas e recepções, um jardim de inverno dependências para os empregados.

As lembranças do Brasil estavam nos vidros de água de rosas, doces e chá de jasmim que Eufrásia fazia questão que fossem enviados da Casa da Hera, sua fazenda em Vassouras. Consta que, no jardim de inverno do palacete em Paris, havia jabuticabeiras.

Os jornais de Paris noticiam que as mademoiselles Teixeira Leite recebiam na sua casa às quintas-feiras. É dessa época o retrato de Eufrásia, assinado por Carolus-Duran, pintor francês conhecido por retratar membros da nobreza e da elite política europeia.

Mansão de Eufrasia em Paris

Palacete à rua Bassano 40, em Paris, de propriedade de Francisca e Eufrásia. O endereço, na região de Champs Elysées, ainda é um dos mais requintados da capital francesa.

As irmãs encomendavam seus vestidos à Maison Worth, dirigida por Charles Frederick Worth, que atendia também a Imperatriz Eugenia, esposa de Napoleão III. Considerado “pai da alta-costura”, Worth ditou os padrões da moda de toda Europa e ficou conhecido por suas criações ostensivamente caras. Conta-se que Eufrásia, antes das reuniões em sua casa, passava horas no quarto para que lhe costurassem pedras preciosas no vestido e até nos cabelos. Era conhecida como a “dama dos diamantes negros”.

Eufrásia, uma mulher na Bolsa de Valores

Eufrásia multiplicou várias vezes a fortuna herdada por meio de negócios bem-sucedidos no mercado de ações. Em uma época que as mulheres sequer eram educadas para administrar seus bens (em muitos países, inclusive, elas eram proibidas), Eufrásia desafiou os padrões e entrou em um mundo exclusivamente masculino. A presença feminina era permitida somente nas galerias da Bolsa de Valores, em Paris, vedando-lhes o acesso ao local onde eram realizados os negócios.

Eufrásia tinha intermediários para concretizar as compras e vendas de ações, entre eles Albert Guggenheim. Ela se revelou uma excepcional gestora e uma bem-sucedida operadora e investidora da Bolsa de Valores. Especulava com ações e commodities e relacionava-se com os poderosos banqueiros da época, como Rothschild.

Lidou com um cenário internacional complexo marcado pelos conflitos imperialistas, a Primeira Guerra Mundial, políticas econômicas protecionistas culminando na crise mundial de 1929 que arrasou economias nacionais e liquidou fortunas familiares. Eufrásia acompanhava tudo pelos jornais e telégrafo, atenta às oscilações financeiras mundiais. Aumentou ainda mais sua fortuna depois da morte da irmã Francisca, em 1899, que, como ela, era solteira e não tinha filhos.

Bolsa de Valores de Paris

Interior do prédio da Bolsa de Valores de Paris, onde as mulheres, no século XIX, só tinham acesso às galerias. Foto de 2010.

Com forte tino para os negócios, Eufrásia foi bem-sucedida na gestão de seu patrimônio mesmo em difíceis cenários como as reviravoltas da economia cafeeira do Brasil e a crise da Bolsa de Nova York.

Ao falecer, em 1930, os bens de Eufrásia somavam 30 mil ações de 297 empresas em dez países. Possuía participações acionárias em minas de ouro, estradas de ferro, títulos e bens na Rússia, Alemanha, França, Bélgica, Japão, Egito, Romênia, Estados Unidos, Canadá e Chile (FERNANDES, p. 65). Em seu inventário ainda constavam um enorme terreno em Copacabana, Rio de Janeiro, que foi loteado e vendido, além de joias, automóvel, o palacete em Paris e a Chácara Casa da Hera – esta última, o único bem conservado após sua morte.

Eufrásia, a benemérita de Vassouras

Em 1926, Eufrásia voltou definitivamente ao Brasil, depois de 53 anos morando em Paris. Mantinha uma vida discreta, quase reclusa, morando em um apartamento no Rio de Janeiro ou na chácara Casa da Hera, em Vassouras.

Para assegurar seu recolhimento, comprou a propriedade vizinha, a chácara do dr. Calvet, de quase 73,5 m2. As duas propriedades formavam uma área contínua de pomares e matas.

O isolamento contribuiu para a invenção de histórias excêntricas a seu respeito como a de ter destinado uma fortuna ao seu burrinho Pimpão, e a de proibir matar formigas em sua casa. A realidade, porém, era outra: Eufrásia possuía um burrinho cor de pinhão que foi vendido junto com outros bens, e mandava borrifar veneno no jardim para eliminar as formigas que ameaçavam suas roseiras.

Salão Vermelho, Museu Casa da Hera

Salão Vermelho, onde aconteciam os bailes e recepções da família Teixeira Leite, testemunho da riqueza do café no Vale do Paraíba fluminense. Museu Casa da Hera, Vassouras, RJ.

Eufrásia faleceu em 13 de setembro de 1930, no Rio de Janeiro. Seu corpo foi levado, de trem, para o mausoléu da família Teixeira Leite, em Vassouras. Em seu testamento, ela determinou que seus bens fossem vendidos e doados.

Uma grande soma em dinheiro e ações foi doada à Santa Casa de Misericórdia de Vassouras. Destinou outra quantia e terrenos para a criação de dois institutos educacionais na cidade, um feminino e outro masculino, com a condição de que mantivessem gratuidades para crianças de famílias pobres. Seguindo ainda a sua vontade foi construído, entre 1941 e 1942, o Hospital Eufrásia Teixeira Leite, com 200 leitos e laboratórios.

A Casa da Hera, onde nasceu e viveu com a família, foi tombada em 1952. Ali funciona atualmente o Museu Casa da Hera que além de exibir mobiliário, porcelanas, prataria e quadros, possui a coleção de vestidos de alta costura que pertencera a Eufrásia.

Mulher inconformista, de espírito independente, hábil investidora que acumulou uma fortuna por mérito de seu próprio trabalho, Eufrásia Teixeira Leite levou uma vida fora dos padrões de sua época, como ela mesma reconheceu em suas cartas:

 “É demais a opinião de minha gente, que não compreende como eu não sou a mais feliz das criaturas; parece que para isso só me falta ser como todo mundo”.

Texto e pesquisa

*Mariana Ribeiro, analista financeira, formada em Relações Internacionais pela Fundação Armando Alvares Penteado- FAAP. Cursou a especialização (SIT TESOL) em Nova York e técnicas de escrita na Universidade de British Columbia- UBC. Ministra palestras e treinamentos para professores e receptivos de museus. Há cinco anos pesquisa sobre Eufrásia Teixeira Leite tendo acesso ao inventário que totaliza 30 volumes de documentos.

Para saber mais

  • CATHARINO, Ernesto José Coelho Rodrigues. Eufrásia Teixeira Leite: fragmentos de uma existência. Edição do autor, 1992.
  • FERNANDES, Neusa. Eufrásia e Nabuco. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 2012.
  • MACHADO, Ana Maria. Um mapa todo seu. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2015.
  • MELO, Hildete Pereira & FALCI, Miridam Britto Knox. A sinhazinha emancipada: Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930). Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2012.
  • __________. “Riqueza e emancipação: Eufrásia Teixeira Leite, uma análise de gênero”. In: Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: FGV, no 29, 2002.
  • __________. Eufrásia e Nabuco: uma história de desencontros amorosos. In: Revista do IHGB. Rio de Janeiro, n. 423, 2004.
  • __________. Eufrásia Teixeira Leite: o destino de uma herança. Anais do V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6ª Conferência Internacional de História de Empresas, 2003.
  • QUEIROZ, Eneida. Senhora do seu destino. Revista de História, 1/2/2013.
  • SCHUMAHER, Schuma & BRAZIL, Érico Vital (orgs.). Dicionário Mulheres do Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

Site

Portal do Museu Casa da Hera. Vassouras, RJ.

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Eduino de Mattos
Eduino de Mattos
8 anos atrás

Joelza, PARABÉNS AO SEU TRABALHO DE “RECONTAR A HISTÓRIA”, é exatamente isso que Nós os Brasileiros Necessitamos, eu “infelizmente” de familia muito pobre, migrante para a cidade grande (quando criança, 10 anos) O ESTADO BRASILEIRO EXCLUDENTE POR NATUREZA, não me deu NENHUMA OPORTUNIDADE, tive que estudar a noite por vontade & condições próprias,…(obrigado a minha mãe) possuo um segundo grau + mais formações Ténicas (UFRGS) e outros, MAS me considero “um brasileiro que sabe muito” sobre POLITICAS NEFASTAS, partidárias e outras, Professora Joelza, desculpe o mau jeito mas o ESTADO BRASILEIRO É INIMIGOS DE SEUS FILHOS ! Eduíno de Mattos… Leia mais »

Joelza Ester
Joelza Ester
8 anos atrás
Responder para  Eduino de Mattos

Entendo suas decepções. Uma vez eu escutei de um velho professor, o seguinte comentário: “Conquistamos a independência, mas o governo continuou tratando a pátria como colônia, explorando a população e a terra ao limite máximo”. Mas você é uma pessoa persistente e correu atrás do que lhe faltou, e isso é admirável!

Simony Ribeiro
Simony Ribeiro
8 anos atrás

Por que os livros de história da escola não falam sobre ela?

Geni Creusa Ramos de Andrade Gimenes
Geni Creusa Ramos de Andrade Gimenes
6 anos atrás

Amei ,saber sobre a vida da Sra.Eufrasia Teixeira leite:GRANDE MULHER DE NEGÓCIOS….

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