O grande desafio de ensinar história nos anos iniciais do ensino Fundamental que é lidar com conceito de tempo histórico, isto é, trabalhar com as noções de ordem, sucessão, duração, simultaneidade e quantificação do tempo para, a partir de então, desenvolver no estudante o pensamento histórico.
O que seria pensar historicamente? Segundo Siman,
“pensar historicamente supõe a capacidade de identificar e explicar permanências e rupturas entre o presente/passado e futuro, a capacidade de relacionar os acontecimentos e seus estruturantes de longa e média duração em seus ritmos diferenciados de mudança; capacidade de identificar simultaneidade de acontecimentos no tempo cronológico; capacidade de relacionar diferentes dimensões da vida social em contextos sociais diferentes. Supõe identificar, no próprio cotidiano, nas relações, nas ações políticas da atualidade, a continuidade de elementos do passado, reforçando o diálogo passado/presente. Como desenvolver nos alunos esse modo de pensar? Advogamos a favor da ideia de que devamos introduzi-los mais cedo possível nessa tarefa, pois o seu desenvolvimento não é inato e, muito mais cedo do que pensamos, as crianças podem, por meios diversos, iniciarem-se em modos de pensar a História.” (SIMAN, 2003: 119).
O desenvolvimento do pensamento histórico passa pelo aspecto da significação, ou seja, ele é construído a partir de uma situação que faça sentido ou tenha significado para a criança. Elege-se um objeto ou tema em que a criança se reconheça nele e perceba traços presentes em seus ambientes de vida. Isso permite que ela se coloque no lugar do outro, em outros tempos e lugares. O pensamento histórico exige a descentração que é também exigência para uma perspectiva da educação para a alteridade. (SIMAN, 2015, p. 208.)
Neste sentido, o espaço escolar – a sala de aula, seu mobiliário, instrumentos de trabalho e registros – é um eficiente objeto de análise pois, além de ser um espaço familiar ao aluno (e à sua família) é, também, um espaço de vivência coletiva compartilhada por toda a turma.
Fotografias antigas de salas de aula, de materiais e anotações escolares estimulam o estudante a comparar, relacionar, abstrair, generalizar, identificar especificidades e reconhecer diferenças assumindo uma “atitude historiadora” e desenvolvendo o pensamento histórico. É interessante, como um trabalho preliminar, trazer para os alunos alguns relatos sobre a vida escolar no passado que possam lhes servir de referência sobre outros tempos e espaços. Isso pode ser feito, também, pelos próprios estudantes por meio de entrevistas com familiares idosos.
Como sugestão, indicamos o relato a seguir.
A caderneta “manchada”
O depoimento a seguir, escrito por Luiz Carlos Marques, relata um fato que lhe ocorreu no tempo de aluno, nos finais da década de 1950. Ele morava na cidade de São Paulo, tinha 11 anos de idade e ia para a escola de ônibus. O episódio mostra a importância da caderneta escolar na vida de um estudante e a severidade com que os jovens eram repreendidos na escola e em casa.
“Ao dar entrada na escola os alunos deixavam sua caderneta escolar na secretaria. Ao final das aulas os alunos retiravam a mesma. Ao receber a minha, notei que havia uma observação: “Seu filho esteve envolvido em confusões na área externa da escola e no ponto de ônibus”. Como isso nunca tinha acontecido comigo não dei muita bola para o assunto.
No dia seguinte, ao entrar, fui barrado por não ter trazido a assinatura de meu pai na caderneta. E por isso acabei levando uma segunda observação: “O aluno foi irresponsável por não trazer a assinatura e perdeu a prova de Francês”. Fui mandado de volta para casa. Acabei fazendo gazeta para voltar para casa (era sexta-feira).
Na segunda-feira, a página da caderneta era virada, pois começava uma outra semana. Pensei então que ninguém notaria que não fora assinado. Fui levado a diretoria e levando mais duas observações, uma dizendo que havia sido negligente e outra por ter faltado a missa, pois não havia o carimbo do padre. De repente, vi que tinha colecionado quatro observações, para mim descabidas, mas que manchavam minha caderneta. O que fazer? Apagar? Jogar fora? Falsificar? Um imenso pavor tomou conta de mim.
No dia seguinte, sai de casa com lanche e fui até a porta da escola, mas não tive coragem de entrar, pois poderia levar outras. Acabei entrando na igreja colada a da escola. Acabei descobrindo uma escada que levava aos sinos. Naquele momento a igreja esta vazia. Tomei coragem e fui subindo até chegar ao seu final. O local dava para uma sacada com uma linda visão do bairro. E mais um lance de escada levava ao campanário, o local onde ficavam os sinos. A cada 15 minutos tocavam os sinos anunciando o passar das horas.
Na subida ao campanário encontrei dezenas de revistas em quadrinho que contavam cada uma a vida dos vários santos da Igreja. Passei ali a manhã toda lendo as revistas e comendo meu lanche. Ao soar os sinos do meio-dia encerravam-se as aulas. Desci então e fui pra casa. No dia seguinte levei mais dinheiro e resolvi mudar o esquema. Resolvi passar o dia no Parque do Ibirapuera. Arrumei um cantinho no meio das árvores pertinho do lago onde alugavam barcos a remos e a motor e ali passei a maior parte da manhã. Com a mochila cheia de gibis fiquei lendo, descansando e comendo.
Ao voltar para casa, dou de cara com o secretário da escola conversando com meu pai. Entrei de fininho, já esperando a desgraça acontecer. Pouco tempo depois entra meu pai com a cinta já nas mãos e me pegou de jeito. Levei a maior surra de minha vida. Meu pai me jogou na cama e bateu sem dó. Às vezes ele se cansava e parava para descansar e depois recomeçava. Essa foi a primeira e última surra que tomei. Aprendi a lição.
MARQUES Luiz Carlos (Luigy). Matando aula. site São Paulo minha cidade (publicado em 21/12/2012).
Trabalhando fotografias escolares
Selecionamos 12 fotografias (veja abaixo) referentes a quatro temáticas escolares: salas de aula, materiais escolares, boletins de notas e cadernetas de presença.
As fotos foram reproduzidas em tamanho grande permitindo uma boa leitura de imagem. São acompanhadas de questões e orientações para o professor aplicar a atividade.
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Fonte
- SIMAN, Lana Mara de Castro. A temporalidade histórica como categoria central do pensamento histórico: desafios para o ensino e a aprendizagem. In: ROSSI, Vera L. Sabongi; ZAMBONI, Ernesta (orgs.). Quanto tempo o tempo tem! Campinas: Alínea, 2003, p. 109-143.
- SIMAN, Lana Mara de Castro. Aprender a pensar historicamente: entre cognição e sensibilidades. In: ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo; GONTIJO, rebeca (orgs.). O ensino de história em questão. Cultura histórica usos do passado. Rio de Janeiro: FGV Ed., 2015. p. 201-221.
- CAINELLI, Marlene Rosa. A construção do pensamento histórico em aulas de História no ensino fundamental. Tempos Históricos, v. 12, 1° semestre, 2008, p. 97-109.
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