No final do século XIX, a população da Europa começou a se dar conta dos efeitos do crescimento demográfico conforme havia teorizado, um século antes, Thomas Malthus em An Essay on the Principle of Population (1798). Segundo a teoria populacional de Malthus, a produção de alimentos não aumentaria na mesma proporção que a população, o que significava que o mundo estava fadado a enfrentar graves problemas no fornecimento de produtos básicos que causariam fome e carestia.
O cenário ficava alarmante com o esgotamento e a erosão dos campos agrícolas da Europa após décadas de exploração intensa. A Grande Fome da Irlanda em meados do século XIX e, no final deste, as recorrentes crises agrícolas na Itália alertavam que o espectro da fome rondava a Europa.
Foi então que que dois recursos naturais sul-americanos chamaram a atenção do mundo ocidental.
- BNCC: 8º ano – Habilidade: EF08HI24, EF08HI25
Fertilizantes poderosos: o guano e o salitre
Durante a conquista e a colonização do Peru, os espanhóis perceberam o grande valor que os dirigentes do Império Inca davam aos excrementos dos pássaros depositados nas pequenas ilhas Chincha, na costa peruana.
Essas três pequenas ilhas rochosas e sem vegetação abrigavam milhões de aves marinhas cujos excrementos, ao longo de milhares de anos, formaram uma espessa camada de guano que ultrapassava 45 metros de altura.
O guano é um fertilizante natural riquíssimo em fosfato, nitrogênio, amônia e sais alcalinos. Os incas sabiam da importância do guano e o utilizavam em seus terraços agrícolas nas encostas dos Andes.
Em 1802, o naturalista e geólogo prussiano Alexander Von Humboldt iniciou uma pesquisa sobre as propriedades fertilizantes do guano, que chamou a atenção mundial. A partir da década de 1840, os britânicos começaram a explorar em grande escala o precioso fertilizante do Peru.
Uma década depois, descobriu-se as propriedades fertilizantes do salitre (ou nitrato) cujos depósitos abundavam no litoral da Bolívia*, Chile e Peru, especialmente no deserto de Atacama, nas regiões Tarapacá e Antofagasta – então pertencentes à Bolívia.
*Nesse tempo, meados do século XIX, a configuração geográfica da Bolívia era diferente da atual: o pais tinha um território bem maior que se estendia pela Amazônia (atual estado do Acre), Mato Grosso, Paraguai e chegava até a costa do Pacífico onde a Bolívia possuía 400 km de litoral.
A exploração do guano e do salitre atraiu investidores nacionais e internacionais. A oligarquia de Lima que havia prosperado graças à prata de Potosí, encontrou naqueles recursos naturais uma nova mina de dinheiro. Os britânicos trataram de assegurar seus lucros explorando os produtos e oferecendo empréstimos em troca dos depósitos de guano e salitre como garantia de pagamento.
A exploração que, inicialmente era peruana rapidamente se espalhou para a província boliviana de Tarapacá e Antofagasta e atraiu o interesse do Chile. Assim, os três países fronteiriços – Peru, Bolívia e Chile – viram-se envolvidos no mesmo negócio.
O guano africano e asiático
O guano foi procurado e encontrado em outras ilhas ao redor do mundo. Em 1828, um navegador americano descobriu na costa da Namíbia, no sudoeste da África, uma ilha coberta com excrementos de pássaros. A história foi contada em um livro e gerou uma nova corrida ao guano.
Em pouco tempo, navios de diferentes países buscavam o “ouro branco” na costa ocidental africana. Por volta de 1845, havia mais de 400 navios ancorados nas ilhas da Namíbia que despejavam milhares de trabalhadores para raspar e ensacar o guano. O valor do negócio era tão grande que gerou uma feroz competição que resultou em distúrbios e assassinatos.
Os Estados Unidos, de olho na riqueza do guano, promulgou, em 1856, o Ato das Ilhas de Guano que autorizava o cidadão americano a se apoderar de qualquer ilha com depósitos de guano em qualquer lugar do planeta oferecendo sua força militar para proteger os interesses americanos. Na época, este país importava quase 800 mil toneladas de guano da América do Sul.
Mais de 100 ilhas foram reivindicadas pelos Estados Unido sob Ato das Ilhas de Guano. Com a invenção dos fertilizantes sintéticos, no inicio do século XX, todas foram abandonadas com exceção das chamadas Ilhas Menores (conjunto formado por oito ilhas no Pacífico e uma no Caribe).
A Guerra do Pacífico (1879-1884)
A guerra foi desencadeada pelo interesse chileno em apoderar-se do guano e do salitre existente na costa boliviana do Pacífico. Em 1866, o Chile havia conseguido uma exploração compartilhada do salitre boliviano nos paralelos 23 e 25.
Desconfiados das intenções expansionistas chilenas, a Bolívia e o Peru firmaram um tratado secreto defensivo. Em 1878, o governo boliviano decidiu aumentar os impostos para os exploradores e exportadores de guano e salitre. A decisão violava o tratado de fronteiras estabelecido quatro anos antes com o Chile que tinha uma cláusula que proibia novos impostos ou aumento destes.
Alegando a violação do tratado, o Chile invadiu a cidade boliviana de Antofagasta. O Peru preparou suas forças militares para defender a Bolívia. Em 5 de abril de 1879, o Chile declarou guerra a ambos os aliados.
A primeira fase da guerra foi naval em que navios ençouraçados chilenos derrotaram os ençouraçados peruanos. A guerra prosseguiu no deserto de Atacama. Após a derrota do exército aliado na batalha de Tacna, a Bolívia deixou a guerra em 1880.
Os combates continuaram entre as forças chilenas e peruanas. O Chile tomou Arica e, em janeiro de 1881, ocupou Lima, a capital peruana.
Consequências da guerra
Com o Tratado de Paz de Ancón, em 1883, o Peru cedeu ao Chile: Tarapacá, Arica e Tacna. A perda de territórios foi posteriormente contestada. O Tratado de Lima, de 1929, decidiu que o Chile devolveria a província de Tacna ao Peru e pagaria 6 milhões de dólares em indenizações.
Em relação à Bolívia, o Chile assinou, em 4 de abril de 1884, um Pacto de Trégua “indefinida” , segundo o qual a província boliviana de Antofagasta foi anexada ao Chile. A Bolívia perdeu sua única saída para o Oceano Pacífico além de suas valiosas reservas de nitrato e cobre.
As fronteiras entre o Chile e a Bolívia foram estabelecidas pelo tratado de 1904, mas até hoje é fonte de ressentimentos e tensões diplomáticas com a Bolívia que busca negociar uma saída soberana para o mar.
O salitre e o guano impulsionaram a economia do Chile entre 1890 e 1910. Outros usos do salitre, como na produção da pólvora, mantinha alta a demanda pelo produto em todo mundo. Milhares de trabalhadores migraram para a região desértica onde o produto era extraído. Recebiam seu salário em fichas, não em dinheiro, que eram trocadas por roupas e alimentos nos armazéns locais.
Grande parte dos lucros da exploração do salitre chileno estava nas mãos dos ingleses. As empresas inglesas que, em 1875, ocupavam uma posição minoritária na indústria do nitrato, passara, a controlar 70% (em valor) em 1890. Companhias particulares inglesas e alemãs, estas com menor participação, controlavam a produção, o transporte e a comercialização do nitrato. O governo chileno ficava com os tributos sobre a exportação.
Terminada a Primeira Guerra Mundial, em 1918, a economia chilena dependente do salitre e dos investimentos estrangeiros sofreu um forte abalo com a introdução do salitre sintético no mercado mundial. Em 1910, os químicos Fritz Haber e Carl Bosch haviam criado um processo de síntese de amônia que levou à produção de fertilizantes sintéticos em larga escala, substituindo o guano e o salitre naturais.
O resultado foi o colapso progressivo de economia chilena a partir da década de 1920. Os empresários ingleses transferiram seu capital para negócios mais promissores em outros países. A crise mundial de 1929 enterrou de vez as esperanças de recuperação dos negócios do guano e do salitre.
Fonte
- SILVA, O. Guerra del Pacifico a la Gran Depresión, 1879-1931. Santiago, Chile: Editorial Copesa, 2005
- BLAKEMORE, Harold. O Chile da Guerra do Pacífico à Grande Depressão, 1880-1930. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina, de 1870 a 1930. V. 5. São Paulo: Edups; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2002.
- KLEIN, Herbert. A Bolívia da Guerra do Pacífico à Guerra do Chaco, 1880-1932. In: BETHELL, Leslie (org.). op. cit.
- KLARÉN, Peter P. As origens do Peru moderno, 1880-1930. In: BETHELL, Leslie (org.). op. cit.
- MELLAFE, Rafael. Mitos y verdades de la Guerra del Pacífico. Colina, Chile: Legatum, 2014.
- VILLALOBOS, Sergio. Chile y Perú, la historia que nos une y nos separa, 1535-1883. Chile: Editorial Universitaria, 2004.