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Educação em tempos de coronavírus: o que aprendemos com as escolas fechadas?

13 de setembro de 2020

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Passados seis meses de escolas fechadas e aulas remotas já temos um cenário para refletir sobre os caminhos e descaminhos da educação. Comecemos pela agenda 2020: era para ser o ano de implementação da BNCC. Os projetos e propostas pedagógicas das redes de ensino que vinham sendo elaborados desde 2018, deveriam ser efetivados em 2020 e já plenamente alinhados com as premissas da Base Nacional Comum Curricular. Contudo, no dia 16 de março de 2020, uma segunda-feira, as aulas foram suspensas. Na semana seguinte, dia 23, as escolas foram fechadas acompanhando o que já vinha ocorrendo no mundo desde o início de março.

Naquele momento, os professores ainda buscavam compreender as mudanças trazidas pela BNCC e estavam contando, para isso, com o suporte dos livros didáticos que, em muitas escolas, sequer haviam chegado. A Covid-19 pegou todos de surpresa lançando escolas e famílias na incerteza e na desordem sem qualquer modelo que pudesse servir de referência para lidar a situação, e hipotecando o futuro escolar e universitário de milhões de alunos.

Velhos problemas potencializados

A primeira constatação é que o vírus não criou problemas, mas potencializou dificuldades que já existiam em um ensino público com condições estruturais degradadas. O vírus desvendou (no sentido lato, de tirar a venda dos olhos) o abandono que há décadas as escolas sofrem pelo poder público. Um ensino que vive de ações remediadas e provisórias (mas que se eternizam), de aprendizagens desiguais, de fachada e inacabadas, e uma política educacional que não congrega o social e o familiar.

A pandemia evidenciou o despreparo tecnológico da comunidade escolar mostrando o abismo entre a minoria que tem smartphone e a maioria que sequer possui um dispositivo eletrônico com conexão à internet dentro de casa. Desigualdade que afeta também os professores.

Professores reativos e insubstituíveis

Mesmo diante desse quadro, os professores deram mostras concretas de seu compromisso irrepreensível com o trabalho pedagógico. De repente, foi-lhes exigido mobilizar recursos tecnológicos e metodológicos para os quais eles não foram preparados e sequer tinham equipamentos apropriados. Eles responderam à situação, de início improvisando, mas logo depois buscando conhecer, atualizar-se em ferramentas tecnológicas e adaptá-las às propostas educativas – o que, convenhamos, não é nada fácil pois a tecnologia nasceu para servir mais ao entretenimento e ao mundo corporativo do que à educação de crianças e jovens.

O desafio é ainda maior para a grande maioria que só pode dispor de tecnologia digital gratuita que, como sabemos, é limitada e com poucos recursos.

A resposta dos professores desmontou as críticas que eles sempre sofreram de serem irredutíveis às mudanças e de recorrerem a práticas cotidianas ultrapassadas. E ainda: mostraram a falta que fazem quando saem de cena. Alunos confinados em casa sentiram a falta da presença paciente e dedicada do professor, enquanto pais altamente tecnológicos e críticos à escola descobriram que não conseguiam acompanhar uma aula do 6º ano.

A importância do espaço escolar

O vírus escancarou ao público o que os professores sempre souberam: ensinar não é simplesmente aplicar um conjunto de práticas pedagógicas e atividades para os alunos. Se assim fosse, a educação poderia ser inteiramente terceirizada e digitalizada. É consenso que, durante o confinamento, houve muito mais descontinuidade do que continuidade pedagógica. Faltou equipamentos e know-how para muitas famílias acompanharem as aulas, é verdade. Porém, mesmo no caso de alunos com recursos, ficou evidente que não é possível fazer a aula correta sem os espaços e o material da escola, mas, principalmente, sem uma relação pedagógica de proximidade.

A educação e o ensino precisam do convívio, eles se realizam no processo de interação humana. A educação se faz no relacionamento presencial, e não à distância.

O rompimento com a escola foi traumático para muitas famílias.  Em primeiro lugar, para aquelas que não dispunham de ferramentas tecnológicas e nem de escolarização para entender as instruções dos professores e ajudar seus filhos nas atividades escolares. O confinamento deixou evidente que a baixa escolaridade dos pais dificulta o aprendizado dos filhos. Além disso, ficou claro que, para muitas famílias, a escola é também suporte à saúde física, mental e psicológica das crianças, seja pela merenda oferecida, pelo espaço propício ao estudo e, principalmente, pelo acolhimento e proteção contra a violência doméstica e o assédio sexual.

Em outra ponta, famílias com nível escolar superior e hábitos de leitura descobriram que não tinham resposta para uma pergunta básica: como faço para meu filho estudar? Uma missão que parecia trivial, mas de perto se mostrou um mistério insondável: o que fazer para a criança se concentrar no estudo? Quanto tempo devo insistir? Pais que oferecem aos filhos o melhor que o dinheiro pode comprar, se viram impotentes em convencer a criança a prestar atenção na videoaula e levar a sério a tarefa proposta. Jamais compreenderão como os professores conseguem isso com 30, 40 ou mais alunos em uma sala de aula, indo do abecedário à ciência.

Apoio ao trabalho pedagógico

A pandemia deixou a nu uma situação antiga que boa parte dos professores padece: a solidão profissional. Preparar aula, corrigir tarefas, fechar notas, preencher relatórios infindáveis e, sobretudo, lidar com indisciplina em sala de aula são tarefas que consomem um tempo enorme e solitário do professor. Raramente ele compartilha essas situações com um colega para pensarem juntos sobre uma decisão ou pede ajuda em uma tarefa (situação inimaginável!). Em sala de aula insiste-se muito no trabalho colaborativo dos alunos, mas o trabalho do professor é individual, intransferível e com prazos apertados.

O isolamento social foi ainda mais penoso para o professor pois teve seu espaço privado invadido pelas videoaulas e seu tempo de trabalho multiplicado para preparação de aulas remotas. O resultado é o esgotamento físico e mental. Um estudo realizado pela Nova Escola apontava que, em 2018, 66% dos professores se afastaram por problemas de saúde. Ainda não há dados sobre a saúde do professor durante a pandemia, mas pode-se imaginar que o quadro não seja diferente.

Em seis meses de escolas fechadas não houve um apoio institucional efetivo aos professores. Reuniões de equipes docentes concentraram-se em cobranças de atividades e não para ouvir as demandas dos professores. Não ser escutado no ambiente escolar é uma das causas do estresse do professor. Ele continuou desamparado mesmo diante de uma situação emergencial.

Que medidas poderiam ter reduzido as dificuldades dos professores durante a pandemia? Muitas e elas continuarão sendo necessárias mesmo depois de passada a crise. Faltou um comando central para:

  • dar uma orientação ou um parâmetro aos professores sobre conteúdos escolares;
  • disponibilizar videoaulas por canais de rádio e televisão no horário escolar e de acordo com grade de ensino liberando os professores para um trabalho online individual diário de apoio e ajuda aos alunos;
  • fornecer suporte online aos pais auxiliando-os no acompanhamento das tarefas escolares;
  • oferecer uma linha de crédito emergencial a custo reduzido que possibilitasse professores e alunos adquirirem equipamentos;
  • instalar redes de WiFi 4G gratuito nas escolas para uso da comunidade escolar;
  • convocar professores aposentados para formarem pequenos grupos docentes dedicados a tarefas específicas;
  • reunir voluntários que dessem suporte tecnológico aos professores;
  • abrir um canal digital de troca e registro de experiências pedagógicas…

É uma breve lista de medidas que teriam feito a diferença para muitos professores, alunos e famílias.

Willian Marciel Vieira, 13 anos, morador do distrito Nova Fátima, em Hidrolândia (GO), sem internet em casa, usa o Wi-fi do açougue para acessar o conteúdo online das aulas. A sala de estudos: o banco da praça em frente à casa de carnes.

A volta das aulas presenciais

Ainda não sabemos se os efeitos da pandemia significarão mudanças, o desaparecimento de uma tendência ou uma profunda redefinição da educação. Mas é consenso que o fechamento das escolas terá, sem dúvida, consequência de médio e longo prazo para as pessoas em situação de vulnerabilidade.  As disparidades existentes na educação irão aumentar. Para além da descontinuidade pedagógica, muitas crianças e jovens deixaram de se beneficiar da alimentação saudável servida na escola e sofrem as repercussões econômicas e sociais desta crise.

O combate à exclusão digital, nomeadamente no que diz respeito ao acesso dos alunos às aulas e à preparação dos professores, sem esquecer a comunicação entre a escola e as famílias, deverá ser a tônica das políticas públicas de educação.

As TICs (tecnologias de informação e comunicação) não são, contudo, a panaceia que vai remediar todos os males da educação. As aulas remotas mostraram a muitas famílias que dar um celular ao filho de 3 anos não significa que ele estará, aos 9 anos, amadurecido para lidar com a autonomia implícita no ensino a distância. A educação é um processo muito mais complexo do que um jogo em realidade virtual, ela exige práticas cotidianas que mesclam metodologias diversas, novas e antigas, e o insubstituível convívio escolar. As famílias vão ter que ouvir e acatar os professores.

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